Estrela chinesa acusou um alto membro do governo de abuso sexual e depois desapareceu. Quando voltou a surgir em público parecia ter mudado a história. A comunidade internacional de ténis continua preocupada: a tenista estará a ser coagida e censurada.
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Peng Shuai, 36 anos feitos a 8 de janeiro, três vezes atleta olímpica e uma das estrelas de ténis mais populares da China, surpreendeu o mundo em novembro de 2021 com esta revelação: tinha sido abusada sexualmente pelo ex-vice-primeiro-ministro chinês Zhang Gaoli. Gaoli tem 75 anos.
A acusação surgia numa publicação de Peng feita na rede social chinesa Weibo, a versão do Twitter da China e que tem controlo do governo. Nessa mensagem, a tenista esclarecia que ela e Zhang Gaoli já tinham estado envolvidos sentimentalmente, que o relacionamento havia sido consensual, mas que isso terminara e que agora ela tinha sido abusada.
Mas a denúncia ficou só uns breves minutos online e rapidamente desapareceu, sem deixar rasto, das páginas da Weibo.
Dar o dito pelo não dito?
Após a exposição pública do caso na internet, que terá sido feita de forma voluntária pela tenista, a antiga n.º 1 mundial de pares esteve duas semanas totalmente desaparecida, o que originou uma onda de preocupação relativamente ao seu bem-estar.
Fãs e representantes oficiais de organizações ligadas ao ténis, assim como outros jogadores e ex-jogadores, tentavam, sem sucesso, contactá-la. A tenista conversou, mais tarde, via vídeo com o presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, e ainda com outros agentes olímpicos.
Peng Shuai acabaria por reaparecer no dia 21 de novembro e, um mês depois, causava nova surpresa em declarações a um repórter de um jornal de Singapura em Pequim: aparentemente, retratava-se e dizia agora que "nunca acusara ninguém de abuso sexual", que havia "mal-entendidos" e que a sua publicação na rede social Weibo era "um assunto da esfera privada".
Mas, nada disto pôs um ponto final sobre o assunto. Antes pelo contrário.
Comunidade de ténis reage e exibe ação
Num comunicado difundido em novembro, o Comité Olímpico Internacional anunciava que Peng havia dito que estava "segura" e que estava "bem". "Ela explicou que está a morar na sua casa em Pequim, mas gostaria que a sua privacidade fosse respeitada neste momento". Desde então, a tenista já foi vista publicamente na China em vários posts publicitados nas redes sociais.
No dia 1 de dezembro de 2021, Steve Simon, diretor executivo da Associação Feminina de Ténis, anunciou a suspensão de todos os torneios na China, justamente devido à censura e às incertezas que rodeiam o episódio. E renovou seu pedido: as autoridades chinesas deveriam proceder a uma investigação "completa e transparente" do caso de Peng Shuai.
A decisão de suspender todos os torneios na China foi seguida também, uns dias depois, pela Federação Internacional de Ténis.
Agora, três meses depois de ter espoletado o caso com a denúncia de abuso sexual alegadamente cometido pelo ex-vice-primeiro-ministro chinês Zhang Gaoli, os fãs da tenista e a comunidade internacional continuam, no entanto, a interrogar-se: qual é o paradeiro de Peng? Está em segurança? E estará, de facto, a viver em liberdade?
Como a tenista continua sem competir, o mistério avoluma-se: estará, como aparenta ser o caso, a ser coagida a agir contra a sua vontade?
"Agradecemos todo o apoio à causa de Peng Shuai", disse o diretor executivo da Associação Feminina de Ténis ao jornal "The New York Times". "A associação está orgulhosa por Peng denunciar aquilo que denunciou e continuamos com o nosso apelo inabalável pela confirmação da sua segurança. Ao mesmo tempo, queremos uma investigação completa, justa e transparente, sem censura, sobre a sua alegação de agressão sexual. Esta é uma questão que nunca pode desaparecer", concluiu Steve Simon.
O que dizia Peng no seu post de denúncia
O post original de Peng Shuai colocado na rede social chinesa Weibo em novembro de 2021 continha 1600 palavras, reportou a BBC. No texto, Peng dizia ter tido um relacionamento romântico com o ex-vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli. Mas dizia também que ele a "forçara" a ter relações sexuais.
Era a primeira vez que uma alegação deste calibre era produzida contra um dos principais líderes políticos da China.
No texto, Peng dirige-se várias vezes diretamente ao governante chinês. "Eu sei que alguém da sua eminência, vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli, dirá que não tem medo", escreveu Peng, "mas, mesmo que seja apenas como bater numa rocha com um seixo ou que eu seja como uma mariposa a atacar uma chama, como quem corteja a autodestruição, eu direi a verdade sobre si".
Peng disse que Zhang Gaoli a coagiu. "Naquela tarde em que fui ao court de ténis de casa dele para jogar, eu não dei o meu consentimento e não consegui parar de chorar", escreveu. "Você levou-me para sua casa e forçou-me a ter relações".
Peng reconheceu que não será capaz de fornecer provas que sustentem as suas alegações.
"Eu não tenho qualquer prova, e tem sido impossível apresentar qualquer prova... Você sempre teve medo que eu trouxesse algo como um gravador, para gravar provas ou algo assim... Não há registos de áudio, nenhum registo de vídeo, apenas a minha experiência distorcida, mas muito real", escreveu a tenista no seu famosos post no Weibo.
Segundo a BBC, Zhang Gaoli não comentou as acusações feitas pela tenista.
Antigas jogadoras saem em defesa de Peng
Magda Linette, uma importante jogadora polaca e membro do conselho de jogadores da Associação Feminina de Ténis, disse, citada pelo "Times", esperar que Peng pudesse falar com os jogadores diretamente ou com Steve Simon.
"Se pudéssemos vê-la num ambiente onde soubéssemos que ela não está a ser realmente controlada e pudéssemos ter pelo menos uma conversa, coisa que ela tem sempre recusado, acho que seria um passo muito importante no sentido de sabermos a verdade e vermos como as coisas são e como ela está verdadeiramente", disse Magda Linette.
Alizé Cornet, tenista francesa que já brilhou no Open da Austrália e que foi uma das primeiras jogadoras, logo em novembro, a levantar preocupações sobre a segurança de Peng, disse que alguns dos seus temores se dissiparam.
"Já não tenha as mesmas preocupações que tive em novembro, quando imaginei que ela poderia ter sido morto e estar enterrada numa vala", disse Cornet na semana passada.
E acrescentou acreditar que Peng não corre perigo de vida, mas sublinhou: "Ainda assim, estou preocupada porque não sei como as coisas lhe estão a correr, não sei sequer o que é feito dela ".
Olimpíadas de Inverno podem fazer ressurgir o caso
O ressurgimento do interesse público no caso de Peng Shuai ocorre num momento politicamente delicado: os Jogos Olímpicos de Inverno, que vão começar em Pequim, capital chinesa, no dia 4 de fevereiro.
"É meio triste perceber que a história dela já não será um assunto relevante", disse Jessica Pegula, jogadora norte-americana que chegou aos quartos-de-final em Melbourne. "É dececionante, mas é assim que os média são. As coisas explodem e depois o assunto desaparece. Depois explode de novo, e depois vem outra coisa".
Pegula, que disse não ter ficado tranquilizada com as recentes aparições em vídeo de Peng, acrescentou: "Talvez o caso mude de figura quando as Olimpíadas começarem".
Open da Austrália está a dar visibilidade ao caso
Entretanto, o Open da Austrália, que começou no dia 17 de janeiro e se prolonga até ao final do mês, está a ser palco de uma corrente de apoio a Peng Shuai.
O diretor do torneio, Craig Tiley, disse esta semana que será permitido aos espectadores dos jogos envergarem t-shirts com dizeres sobre a tenista chinesa, mas desde que não se comportem de forma ameaçadora ou disruptiva.
"Sim, desde que sejam pacíficos e não entrem como uma multidão hostil para causar problemas", disse Tiley, acrescentando que os seguranças do recinto iriam avaliar caso a caso as situações de protesto e apoio a Peng Shuai.
As declarações de Tiley surgem depois de no domingo passado, a organização do Open da Austrália evocar o regulamento do torneio para justificar a proibição de uso pelos espetadores de t-shirts com mensagens consideradas políticas.
A organização do primeiro Grand Slam da temporada de 2022 indicou que o bem-estar da tenista chinesa é a sua "preocupação primordial" depois de ter sido difundido nas redes sociais um vídeo no qual se vê um segurança do torneio a confiscar camisolas e um cartaz com as palavras "Onde está Peng Shuai?".
"Não permitimos roupa, cartazes ou símbolos comerciais ou políticos, explicaram os organizadores, em comunicado. "Continuamos a trabalhar com a Associação de Ténias Feminino e com a comunidade internacional do ténis para procurar uma maior clareza sobre a situação de Peng Shuai e faremos tudo o que pudermos para garantir o seu bem-estar", concluíram os organizadores.