
Vida prossegue em Caracas, com vontade de resistir
Foto: Bruno Carvalho
Em várias partes do território venezuelano, estudantes, trabalhadores agrícolas e operários aprendem a disparar e recebem noções de teoria militar para enfrentar uma eventual invasão.
"Camarada Cristo", diz-se chamar um homem de cerca de 60 anos sentado num banco improvisado no Bairro 23 de Enero. Com barba e uma longa cabeleira branca, estende o telemóvel e mostra orgulhoso uma fotografia em que aparece de kalashnikov em punho. "Por aqui, há muitas armas. Se os "gringos" invadirem, isto vai pegar fogo", sussurra.
Em plena capital venezuelana, o mais importante bastião chavista, onde estão os restos mortais de Hugo Chávez, tem orgulho no seu passado guerrilheiro. Nos anos 80 e 90, os confrontos com a Polícia eram frequentes por parte dos "tupamaros", como eram conhecidos pelas autoridades, mas há quem tenha empunhado armas antes disso. É o caso de José Villarobel, a quem todos chamam Albino, e que, agora com 80 anos, recorda os tempos na guerrilha liderada pelos comunistas, deixando no ar que, apesar da idade, não vai perder a "oportunidade" de pegar em armas se os Estados Unidos atacarem a Venezuela.
Em paz desde a vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1998, as organizações políticas que deram corpo à luta armada neste bairro criaram estações de rádio, espaços culturais e desportivos, assim como padarias e farmácias. A Oposição acusa-as de serem o braço armado do chavismo. É o caso da Coordenadora Simón Bolívar que, com a ajuda dos moradores, expulsou a Polícia do seu quartel no bairro e dirige agora a emissora comunitária mais ouvida de Caracas.

Juan Contreras é líder associativo e diz que na Venezuela ninguém quer a guerra
Inimigo comum
O líder desta organização, Juan Contreras, chegou a ser deputado nas fileiras do chavismo e garante que ninguém quer uma guerra na Venezuela. Aponta o dedo à Casa Branca e diz que as acusações de narcotráfico são o equivalente às alegadas armas de destruição massiva que levaram à invasão do Iraque. Em frente a um mural com o rosto de Che Guevara, recorda as palavras do guerrilheiro argentino em defesa de uma luta continental contra o que chama "imperialismo norte-americano". "Este é o momento da unidade dos povos da América Latina contra o nosso inimigo comum", garante.
Juan Contreras não acredita que vá haver uma invasão e explica que a forma intervenção dos Estados Unidos no Mundo mudou, dando os exemplos daquilo que aconteceu no Irão com ataques a alvos cirúrgicos. No caso de Caracas, aponta como exemplos o palácio presidencial e o quartel da Montanha, onde se encontra o mausoléu de Hugo Chávez. "Não têm capacidade de meter-se na Venezuela. Para invadir o Panamá, precisaram de 20 mil marines. Quantos precisariam para invadir a Venezuela?", questiona.
O dirigente da Coordenadora Simón Bolívar sublinha que a nova doutrina militar venezuelana assenta sobre "a guerra de todo o povo" no caso de uma agressão externa e que a "unidade cívico-militar" é algo que está em marcha para formar a população na arte da guerra.
Vigilância e defesa
O JN sabe que a política de preparação militar de civis está em marcha e a desenrolar-se em várias partes da geografia venezuelana com o apoio das forças armadas. De acordo com dados do próprio Governo, cerca de 4,5 milhões civis estão registados como milicianos com ou sem treino num país com cerca de 120 mil soldados.
Uma das conclusões de um importante encontro de sindicatos nos últimos dias, com o apoio de Nicolás Maduro, apontava a necessidade de organizar militarmente os trabalhadores em missões de vigilância e defesa dos centros económicos mais importantes da Venezuela.
Assédio real
Apesar da calma que se vive nas ruas da capital Caracas, com a população já à espera da quadra natalícia, o assédio dos Estados Unidos é real. Para além do ataque contra uma nova lancha ao largo da costa, vários taxistas confirmaram ao JN que têm sentido fortes interferências nas diferentes aplicações de geolocalização, como o Google Maps ou o Waze.
Há cerca de um mês, o jornal colombiano "El Tiempo" apontava já para o perigo que representam as falhas nestes sistemas para a aviação comercial.
