Diana Soller, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, faz uma análise sobre o processo negocial que decorre entre a Rússia e a Ucrânia, reiterando a necessidade de haver um ator internacional eficaz que consiga mediar as conversações.
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A Turquia admitiu um "quase acordo" em quatro das seis questões em discussão nas negociações. O que pode ser mais difícil de negociar para a Ucrânia?
Embora não se saiba bem qual o teor das negociações, penso que a questão territorial é a mais difícil. Ou seja, qual a parte do território que a Ucrânia terá de ceder em prol da paz, porque a Rússia nunca irá negociar um cessar-fogo em que fica sem nada, sendo que a opção minimalista é o reconhecimento da Crimeia e das regiões separatistas de Donbass. Contudo, pode haver mais alguma imposição de Moscovo, nomeadamente sobre aqueles territórios que agora foram tomados, como é o caso de Mariupol. Uma segunda dificuldade poderá ter a ver com questões relacionadas com a desmilitarização da Ucrânia.
Vê a adesão à NATO como uma batalha oficialmente perdida pela Ucrânia?
A questão da adesão à NATO já estava decidida antes de estar. A hipótese da Ucrânia entrar na organização nunca existiu verdadeiramente. Houve um momento, em 2008, a seguir à guerra da Geórgia, em que o presidente George W. Bush sugeriu que a Ucrânia e a Geórgia poderiam ser convidados a fazer parte da Aliança Atlântica, e essa hipótese foi imediatamente vetada pela França, Alemanha e outros países. Desde essa altura nunca mais se falou no assunto. O que aconteceu foi que, em 2019, a Ucrânia mudou a Constituição de forma a poder, eventualmente, entrar na NATO. O que aborrece verdadeiramente Putin, que não gosta de observar a evidente vontade de Zelensky de transformar a Ucrânia num território amigo do Ocidente.
É possível haver progressos significativos sem um encontro ao mais alto nível?
O mais difícil é haver progressos sem mediadores internacionais. Neste momento, é aquilo que está a faltar. O que acontece normalmente nas negociações é que os chefes de Estado só entram em cena quando alguma coisa já está acordada, e o facto de Putin e Zelensky não se encontrarem evidencia que as negociações não estão concluídas. O que me parece é que seria importante encontrar um mediador mais eficaz, já que a Turquia não tem conseguido que a Rússia faça algumas cedências.
A Suíça ofereceu-se como país mediador. Que papel poderá ter?
A Suíça é um país que tem uma longa história de mediação internacional e é neutral, como tal, poderia estar em boas condições para assumir este papel. Mas parece-me que são precisos atores internacionais que possam exigir alguma coisa à Rússia, podendo também garantir algumas imposições da Ucrânia.
Que estados têm melhores condições para o fazer?
Esse grupo deveria incluir a China, pois tem poder sobre a Rússia. Deveria ainda incluir alguns países que sancionaram fortemente os russos, de modo a conseguirem usar as sanções como moeda de troca para obrigar o Kremlin a fazer cedências.
Convencer Moscovo a integrar estes atores no processo negocial seria um caminho fácil?
Se for a França e a Alemanha penso que sim. Os EUA e o Reino Unido têm feito o papel de polícias maus e a Europa Continental tem feito o papel de polícia bom, ou seja, apesar das sanções, os estados da União Europeia têm mantido o canal diplomático aberto, enquanto Londres e Washington têm deixado de lado essa conduta, pelo menos publicamente.