Só em abril deste ano quatro pessoas morreram por sofrerem de albinismo, no Malawi.
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Uma delas tinha acabado de nascer. Mas porque nasceu sem pigmento na pele, num país em que ser albino é ter o tesouro no corpo, foram-lhe retirados os ossos.
Uma investigação da Amnistia Internacional (AI) dá conta de uma vaga crescente e sem precedentes de ataques violentos a pessoas albinas, na República do Malawi, onde entre sete e dez mil sofrem da doença e vivem num clima permanente de terror. O albinismo é um distúrbio hereditário caracterizado pela ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelos e olhos, devido à ausência ou defeito de uma enzima envolvida na produção de melanina.
"Nós não somos animais para sermos caçados ou vendidos."
"Nós não somos animais para sermos caçados ou vendidos", lê-se no título do relatório da AI sobre a "violência e discriminação contra pessoas com albinismo no Malawi", que expõe as atrocidades a que está sujeito o grupo que está em vias de extinção. A organização de direitos humanos aponta ainda as falhas das autoridades na adoção de medidas de proteção.
Desde há dois anos que os ataques contra a população albina têm vindo a aumentar. São sequestros, homicídios e roubos graves levados a cabo por indivíduos ou gangues que acreditam nos "poderes mágicos" e na "boa sorte" supostamente inerentes às partes do corpo dos albinos. Há quem as venda e quem as use em medicinas tradicionais e rituais de feitiçaria, como se de poções mágicas se tratassem.
"Estão esfomeados de dinheiro e os feiticeiros ensinam-lhes que, se querem ser ricos, têm de encontrar os ossos de um albino", disse à Amnistia Grace Massah, vice-presidente da Escola de Enfermagem e de Obstetrícia do Malawi, também ela albina.
Etna, mãe de dois gémeos nascidos com albinismo, contou a forma como o Harry lhe foi retirado: "Alguns homens entraram em minha casa e agarraram em mim e no meu filho pelo pescoço. Quando o agarraram pela cabeça, eu agarrei-o pelas pernas e puxámo-lo em diferentes direções. Um deles pegou numa faca e cortou-me o braço. Eu larguei o meu filho e eles levaram-no". Passado uns dias, a cabeça de Harry foi descoberta na aldeia.
Mulheres e crianças são particularmente vulneráveis, por serem vistas como alvos mais fáceis, até por familiares próximos. Para a médica que falou com a Amnistia, a falta de conhecimento e a ignorância estão na base do problema, havendo pais que rejeitam os filhos por acharem que são fruto de uma relação extraconjugal com um caucasiano.
"As mulheres enfrentam ainda o perigo da violação sexual, como resultado da crença de que ter relações sexuais com um albino cura o vírus da Sida."
"As mulheres enfrentam ainda o perigo da violação sexual, como resultado da crença de que ter relações sexuais com um albino cura o vírus da Sida", relata a investigação. Para agravar a situação, no Malawi, a sociedade vê as mulheres como culpadas pela violação, o que complica o processo de acusação.
Além da extrema violência, o relatório dá conta da discriminação social, em que se incluem abusos verbais e barreiras no acesso a serviços público básicos. A falta de acesso a recursos preventivos como protetor solar e informação sobre a doença elevam o número de mortes por cancro da pele.
O governo tem condenado os ataques publicamente e anunciou um pacote de medidas, incluindo a criação de um conselho especial para apoiar as investigações e a adoção de um Plano de Resposta Nacional. No entanto, as políticas falharam no essencial e não conseguiram pôr fim à violência. Alguns dos criminosos foram presos e condenados, mas as penas não se adequam à gravidade dos crimes, a maioria dos quais continua por resolver.
Os albinos vivem com medo desde que nascem. E nem depois da morte são deixados em paz. Foram registados 39 casos de exumação ilegal de corpos desde novembro de 2014. Desde então, pelo menos 18 pessoas foram mortas e cinco sequestradas, num total de 69 crimes relacionados com a população albina.
A Amnistia Internacional acredita que a realidade ainda está escondida e que o número de casos é muito maior.