Quando ainda estava dentro da estação do Metro na Rua 103 West, junto à Avenida Columbus, em Nova Iorque, já não me recordava se tinha de descer ou subir a rua para chegar à casa onde vivi três meses em 2015, durante uma inesquecível estadia como Visiting Scholar na Columbia University.
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Era a subir, percebi-o mal meti a cabeça de fora na rua, numa tarde de domingo cheia de chuva. Não se sobe muito, ao contrário dos preços na cidade que nunca dorme. Na verdade, não dormir é o menos; os preços em Nova Iorque, esses sim, são um pesadelo.
Dois jovens portugueses, Marta e Francisco, que encontrei por estes dias, cansados de partilhar apartamentos com desconhecidos, juntaram os trapinhos após matrimónio e foram viver para Queens (bairro novaiorquino, colado a Manhattan, assim como Amadora para Lisboa ou Valongo para o Porto). Pagam quatro mil dólares (3500 euros) por um T1. É viver e trabalhar com dois empregos ou mais para pagar despesas. Não dá para jantar fora muitas vezes; se calhar, nem poucas.
Agora, em Nova Iorque, os jantares também acabam mais cedo. Nunca depois do horário de fecho do estabelecimento. Pode aparecer o ICE (agência federal de aplicação da lei de Imigração) com a brutalidade recente, exigida pelo governo Trump para deportar imigrantes indocumentados, o que é o caso de quase todos na indústria hoteleira. Se o casal de jovens quiser comprar casa, vai pagar no mínimo 600 mil euros pelo tal pequeno apartamento com um quarto, com lavandaria partilhada pelo prédio todo, mais imposto acima dos 1100 por mês, mais quase 800 mensais de condomínio. Um luxo para poucos, sem vista, armazenamento extra ou lugar de garagem.
Zohran Mamdani correu a maratona de Nova Iorque em 2022 com uma camisola que dizia "Eric Adams aumentou-me a renda", conta Eric Lach na New Yorker. Terminou com o péssimo tempo de 6h04m. "Poucos espectadores lhe prestaram atenção. No ano passado, menos de um mês após lançar a campanha para presidente da câmara", correu bem mais rápido e vestiu a mesma camisola, "com a frase 'Zohran vai congelá-lo!' adicionada nas costas". Congelar o preço das rendas. Mais uma vez, captou poucas atenções. Este ano, o domingo da maratona é dois dias antes da eleição para mayor de Nova Iorque. As sondagens colocam Mamdani quinze pontos à frente do rival, o ex-governador Andrew Cuomo. Mamdani este ano não vai correr a prova mítica, que a corrida agora é outra para alguém cujo instinto é estar em movimento, na cidade, onde as pessoas podem vê-lo. Caminhar por Nova Iorque com Mamdani nesta primavera e verão foi como assistir ao nascimento de uma estrela, que viu pela primeira vez a luz há 33 anos, em Campala, no Uganda.
Foto: AFP
Como ilustradora, os trabalhos de Rama Duwaji tratam as crises humanitárias em Gaza, no Líbano e no Sudão, bem como retratos da vida íntima no Médio Oriente. Será um feito notável para ele, mas também para ela, uma texana de nascimento, de origem síria, que estudou na Virgínia, mas também no Qatar e no Dubai e fez residências artísticas em Beirute, Londres e Paris. E só chegou a Nova Iorque em 2021. Hoje, o sonho americano é o mundo. Ainda que quem governe o país não o entenda, e queira fechar os EUA ao mundo globalizado. O jovem casal português a viver em Queens, estará perto de Astoria, local onde vivem Zohram Mamdani e Rama Duwaji, provavelmente autarca e primeira-dama da cidade a partir de novembro.
"Acalmar hostilidades no estrangeiro e começar uma guerra em casa não será muito América em primeiro", escrevia no domingo passado Maureen Dowd, no "New York Times". Revela, além de tudo o resto, falta de inteligência. Há quem estime que a próxima guerra civil americana possa começar aqui em Nova Iorque, quando Trump, após a vitória de Zoran Mahmdani nas autárquicas, temendo a ascensão de um político democrata muito popular e de origem muçulmana, decidir mandar a tropa da Guarda Nacional para Nova Iorque. "Isto aqui não é Chicago, aqui vem tudo para a rua", dizia-me um português, professor na Universidade de Columbia, enquanto bebíamos, no bairro do Harlem, uma cerveja a oito dólares (porque era desconto de happy hour), mais imposto e os 20% da gorjeta, na véspera do concerto de homenagem a Amália Rodrigues, organizado pela FLAD e pela Égide no lendário Carnegie Hall. Ao almoço, o cimbalino (bica no sul português) tinha sido a sete dólares. "New York, New York", cantemos até que a voz nos doa. Porque na carteira já dói. E muito.
*Viagem a convite da FLAD - Fundação Lusoamericana para o Desenvolvimento