Um dos principais desafios do Papa Leão XIV é continuar a luta contra as agressões sexuais na Igreja iniciada por Francisco, mas o seu histórico ambivalente no Peru gera preocupação entre ONGs de defesa das vítimas.
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Pouco depois da sua eleição, a Conferência Episcopal Peruana destacou, numa conferência de imprensa, que o sucessor de Francisco "abriu caminho" para a defesa de vítimas de agressões no Peru. Porém, as ONGs Rede de Sobreviventes de Abuso Sexual por Sacerdotes (SNAP, na sigla em inglês) e Bishop Accountability emitiram comunicados nos quais questionam o compromisso do segundo Papa das Américas com a quebra do regime de sigilo. "O papa Leão XIV transformará a luta contra abusos e encobrimentos em prioridade?", questiona Anne Barrett Doyle, codiretora da Bishop Accountability.
As preocupações remontam ao período em que o primeiro pontífice agostiniano era bispo de Chiclayo, no norte do Peru, entre 2013 e 2025. "Ele não publicou o nome de nenhum" dos culpados, acrescentou Doyle.
A SNAP lembrou que, durante aquele período, três vítimas relataram acusações à diocese, em vão, e acabaram por denunciá-las às autoridades civis em 2022. Segundo a ONG, Prevost "não abriu uma investigação" e "enviou informações inadequadas para Roma", de forma que "a diocese permitiu que o sacerdote [denunciado] continuasse a celebrar missas".
Anteriormente, como chefe dos agostinianos em Chicago, permitiu que um sacerdote acusado de agredir sexualmente menores vivesse num convento agostiniano perto de uma escola da cidade no ano 2000, acrescentou.
As ONGs também questionam a sua atuação à frente do Dicastério para os Bispos, cargo ao qual foi nomeado por Francisco em 2023 em substituição do canadiano Marc Ouellet, acusado de agredir sexualmente uma mulher. Como prefeito deste dicastério, Prevost deveria supervisionar os casos apresentados contra bispos acusados de abusos sexuais e de encobrimento. "Ele manteve o segredo desse processo" e "sob a sua supervisão, nenhum bispo cúmplice foi despojado do seu título", lamentou a Bishop Accountability.
"Isso é mentira", garante sucessor de Leão XIV na diocese em Chiclayo
Por sua vez, o prelado Edison Farfán, seu sucessor na diocese em Chiclayo, garantiu, na sexta-feira passada, que Leão XIV "respeitou os procedimentos" internos da Igreja diante de casos de agressão sexual quando era bispo. A polémica "saiu em todos os meios de comunicação a tentar desacreditar [Prevost], dizendo que não fez nada. Isso é mentira, ele ouviu [as partes] e respeitou os procedimentos", assinalou Farfán em conferência de imprensa. "No processo canónico, é preciso ir até ao final, respeitando os procedimentos", explicou, ao acrescentar que "isso não acontece da noite para o dia".
Além disso, o sacerdote acusado "foi enviado imediatamente para casa", assegurou, em declarações à AFP, Fidel Purisaca, diretor de comunicações da diocese. Por recomendação do bispado, o sacerdote também foi denunciado criminalmente, mas o caso prescreveu.
O Papa Francisco implementou medidas para combater os abusos sexuais, desde a abertura dos arquivos do Vaticano aos tribunais leigos até à obrigatoriedade de denunciar os abusos às autoridades da Igreja. No entanto, as associações de vítimas dizem que não fez o suficiente e a questão continua a ser um grande desafio para a Igreja, com os escândalos a não mostrarem sinais de abrandamento. Em muitos países africanos e asiáticos, o assunto continua a ser tabu. Mesmo na Europa, a Itália ainda não iniciou uma investigação independente sobre as alegações de abuso.