O decreto presidencial que dissolve o parlamento da Guiné-Bissau considera que o órgão constitucional, em vez de pugnar pela aplicação da Lei, defendeu os membros do Governo suspeitos de "atos de corrupção" que lesaram os interesses do Estado.
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O documento refere “a existência de fortes indícios de cumplicidade de políticos” na “tentativa de golpe de Estado” de 01 de dezembro e foi divulgado imediatamente a seguir ao anúncio da dissolução feito hoje pelo presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, a que se seguiu, também, uma forte presença de militares na rua.
O presidente da República da Guiné-Bissau convocou hoje o Conselho de Estado e, no final da reunião que durou poucos minutos, anunciou que decidiu dissolver a Assembleia Nacional Popular na sequência de uma série de acontecimentos ocorridos em 30 de novembro e 01 de dezembro, nomeadamente a detenção preventiva, pelo Ministério Público, de dois membros do Governo, mais tarde retirados das celas da Polícia Judiciária por soldados da Guarda Nacional.
Na sequência deste ato, geraram-se confrontos armados entre a Guarda Nacional e o batalhão da Presidência, que foi resolvido com a intervenção da Polícia Militar e que resultou na detenção do comandante da Guarda Nacional, Vitor Tchongo.
Os membros do Governo, ministro da Economia e Finanças, Suleimane Seidi, e o secretário de Estado do Tesouro, António Monteiro, estão a ser investigados num processo que a oposição diz ser crime de prevaricação e desvio de normas orçamentais ao pagarem uma dívida de cerca de 10 milhões de dólares (9,2 milhões de euros) a um conjunto de 11 empresários.
“Em vez de pugnar pela aplicação rigorosa da Lei de Execução Orçamental e exercer o seu papel de fiscalização dos atos do Governo, preferiu sair em defesa dos membros do Executivo suspeitos de envolvimento na prática de atos de corrupção que lesaram gravemente os superiores interesses do Estado. Perante esta tentativa de golpe de Estado, que seria consumada pela Guarda Nacional, e a existência de fortes indícios de cumplicidade de políticos, tornou-se insustentável o normal funcionamento das instituições da República, factos esses que fundamentam a existência de uma grave crise política”, sustenta o decreto presidencial.
Na fundamentação da decisão do Presidente, “o assalto às celas da Polícia Judiciária em Bissau, praticado por um grupo fortemente armado da Guarda Nacional, perante a passividade do Governo, configurou uma tentativa de subversão da ordem constitucional, resultando dessa ação criminosa a perda de vidas humanas”.
O decreto presidencial considera também que “o propósito assumido expressamente pela Guarda Nacional de obstruir, pelo uso da força, diligências em curso no Ministério Público, revelou claramente a cumplicidade da grande corrupção com determinados interesses políticos instalados no próprio aparelho de Estado”.
“Perante esta tentativa de golpe de Estado, que seria consumada pela Guarda Nacional, e a existência de fortes indícios de cumplicidade de políticos, tornou-se insustentável o normal funcionamento das instituições da República, factos esses que fundamentam a existência de uma grave crise política”, acrescenta.
O decisão presidencial entra “imediatamente em vigor”, com o Presidente da República a decretar que “é dissolvida a Assembleia Nacional Popular da XI Legislatura” e que “será fixada em tempo oportuno, a data para a realização das próximas eleições legislativas”.
O presidente do parlamento guineense, Domingos Simões Pereira, afirmou hoje que a decisão do chefe de Estado de dissolver o órgão é um golpe de Estado constitucional, argumentando que, segundo a Constituição, a Assembleia Nacional Popular "não pode ser dissolvida dentro de 12 meses após a sua constituição".