As organizações não governamentais de direitos humanos Amnistia Internacional (AI) e Human Rights Watch (HRW) acusaram, nesta quarta-feira, as forças policiais turcas de torturarem pessoas suspeitas de crimes nas regiões atingidas pelos sismos de 6 de fevereiro - faz dois meses nesta quinta-feira - que causaram mais de 50 mil mortos na Turquia e quase seis mil na Síria.
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O abalo, de intensidade 7,8 na escala de Richter e seguido de outro de 7,6, além de replicas, afetou mais de 25 milhões de pessoas e deixou sem casa pelo menos 2,2 milhões, tendo sido particularmente destrutivo na região de Hatay, no Sul da Turquia, onde 21 mil pessoas morreram e outras 24 mil ficaram feridas, segundo os últimos balanços.
A destruição de edifícios, que foi praticamente total em cidades históricas como Antioquia (cerca de 360 mil habitantes) e Samandag (121 mil almas), expôs lojas e habitações à pilhagem, incluindo roubos de mera sobrevivência, face à situação calamitosa gerada pelo desastre, que justificou a declaração do estado de emergência.
"As autoridades estão a tratar o estado de emergência para o desastre natural como uma licença para torturar, maltratar e até matar impunemente", afirmou o diretor da HRW para a Europa e Ásia Central, Hugh Williamson.
Em comunicado conjunto, a HRW e a AI acusam as forças de segurança turcas de abusos como agressões, torturas e maus-tratos contra suspeitos de roubo e saque nas zonas afetadas pelos terramotos.
Pelo menos uma pessoa morreu depois de ter sido torturada sob detenção e, em muitos casos, os agentes da ordem nem sequer intervieram para impedir que um grupo de indivíduos agredisse pessoas que considerava suspeitas de roubos.
"Sovas violentas e prolongadas"
"Informações fidedignas indicam que a Polícia, a guarda militarizada e pessoal militar submeteram a sovas violentas e prolongadas e a detenções arbitrárias e não oficiais pessoas supostamente responsáveis por delitos constituem uma alarmante acusação formal sobre as práticas presentes de aplicação da lei na região da Turquia afetada pelos terramotos", sustentou Williamson.
Todos os casos denunciados pelas organizações ocorreram nas dez províncias cobertas pelo estado de emergência decretado pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em 7 de fevereiro, tendo sido entrevistadas 34 vítimas e analisados outros tantos vídeos. Apenas sete das 13 vítimas examinadas apresentaram queixa oficialmente.
As organizações exortaram as autoridades turcas a realizar uma investigação completa e imparcial, independentemente de as vítimas serem suspeitas de crimes.
"As descrições e imagens angustiantes de violência desenfreada por parte das autoridades a abusar do seu poder no meio do pior desastre natural que o país já enfrentou não podem ser descartadas", destacou o diretor da Amnistia para a Europa, Nils Muiznieks.
Segundo aquelas organizações, a maioria das vítimas entrevistadas afirmou ter sido detida e sofrido agressões enquanto participava em trabalhos de busca e salvamento, ou quando atravessava bairros de Antioquia.
Situação ainda difícil no terreno
Há relatos e imagens em que as agressões foram também perpetradas por outros civis, mas a nota sublinha a especial violência e o uso ostensivo da força por parte de agentes policiais. Uma delas contou que um agente verbalizou que o fazia ao abrigo do estado de emergência que lhe permitia matá-la, se o entendesse, e enterra-la sob os escombros de imóveis destruídos.
Uma testemunha afirmou ter visto soldados a agredirem três jovens com aparência de trabalhadores e pobres, considerando-os saqueadores, ao mesmo tempo que incentivavam civis a juntarem-se a eles nas sevícias.
As ONG salientam, por outro lado, que a violência foi especialmente dura para com cidadãos sírios refugiados na região fronteiriça. "A maioria dos guardas tratava os sírios como ladrões e era muito agressiva com eles", narrou uma intérprete de apoio às operações de salvamento, acrescentando que tão-pouco os aceitavam nas equipas de voluntários no resgate.
Do ponto de vista humanitário, a situação ainda permanece difícil nas zonas mais atingidas, devido à falta de alojamento, mas também devido à falta de meios - dos económicos aos médicos. O porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, Stéphane Dujarric, pediu mais recursos "urgentemente" para ajudar os afetados. Estima-se que o país tenha perdido mais de 20% da sua produção agrícola.