Uma marcha pacífica em homenagem ao "rapper" Azagaia foi, este sábado, reprimida pela polícia moçambicana com gás lacrimogéneo, em Maputo. Organizadores dizem que ação das autoridades é prova de que a Constituição não funciona no país. Numa manifestação idêntica na cidade da Beira houve três detidos.
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Quitéria Guirrengane, ativista e uma das organizadoras da marcha, disse à Lusa que quando os polícias chegaram ao local de início da marcha, disseram saber que a ação era legal, "mas tinham ordens superiores" para a impedir.
"Aqueles que deram as ordens superiores são os que não dão a cara, que dizem que nos dão despacho positivo, mas, por detrás, dizem à polícia: 'agora vão chutar aquela gente'", referiu, concluindo: "esta é a prova inequívoca de que na República de Moçambique a Constituição não funciona".
O país "funciona na base de ordens superiores, daqueles que estão nos seus gabinetes e têm medo da mensagem de Azagaia".
Foi a segunda vez em cinco dias que a polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar a população, depois da na terça-feira ter bloqueado o cortejo fúnebre do "rapper". Azagaia morreu de doença na última semana e para este sábado estavam marcadas várias marchas de homenagem no país.
O funeral foi a maior concentração no país dos últimos anos, com palavras de ordem contra a governação, inspiradas nas letras de Azagaia.
Quitéria Guirrengane considerou que a marcha seria "uma ação de homenagem pacífica e simpática", impedida por "um Estado de vergonha absoluta" - depois de a organização ter seguido a lei e dialogado com o município na preparação do evento.
"Era desnecessário ter esta polícia de intervenção rápida", destacou, sobre a carga com gás lacrimogéneo desta manhã - e que acabou por atingir a circulação automóvel e transeuntes no centro da cidade.
"Depois vão dizer que nós é que incitámos à violência", assinalou, considerando que é a repressão policial que "vai incitar os jovens que partem edifícios".
"Se uma pessoa estivesse bem na cadeira onde está, não teria medo do povo", referiu, numa alusão aos governantes moçambicanos.
Quitéria Guirrengane considerou que em Moçambique vive-se "num Estado capturado, em que há pessoas que pensam que a República lhes pertence".
A ativista recomendou aos participantes que, por uma questão de segurança, se dispersem. "Nós, como quem convidou, não podemos sair daqui sem prestar contas às pessoas" e "os nossos advogados também estão a caminho", concluiu.
Três detidos na Beira
Numa marcha semelhante, na cidade da Beira, a polícia deteve pelo menos três pessoas.
A polícia bloqueou os participantes da marcha a meio do caminho, apesar de na sexta-feira ter garantido que a mesma tinha autorização para se realizar.
Fonte policial, sob anonimato, disse aos jornalistas que, entretanto, foram recebidas ordens para a marcha não se realizar.
Face ao bloqueio, os ânimos exaltaram-se e houve confrontos com agressões físicas, sem disparos, que resultaram na detenção de, pelo menos, três participantes, disse fonte da organização.
Os restantes grupos que iam integrar a marcha já não saíram do ponto de encontro, no cruzamento da Munhava, à entrada da Beira, de onde iriam descer para a praça 3 de Fevereiro, na Ponta Gea, zona nobre da cidade.
Albano Carige, presidente do Conselho Municipal da Beira, pediu aos participantes na marcha que dispersassem e remeteu a sua realização para um outro momento.
Em Chimoio, capital provincial de Manica, também no centro do país, as três organizações que estavam a preparar a marcha anunciaram o seu cancelamento, sem explicações para a decisão.