Desespero para conseguir alimentos, inúmeras deslocações e dor do luto são rotina no enclave palestiniano sufocado por forças israelitas.
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Os palestinianos na Faixa de Gaza permanecem sujeitos a devastadoras condições, com a fome a matar pelo menos mais duas pessoas esta quinta-feira. Sob o cerco de Israel, a troca de acusações pela culpa da situação enclave continua, enquanto mães, pais e jornalistas partilham relatos de sobrevivência.
Desmaiou enquanto esperava por comida
Mãe de dez filhos no campo de refugiados de Shati, perto da Cidade de Gaza, no Norte, Sabreen Abu al-Kass deslocou-se para um centro de distribuição da polémica organização norte-americana apoiada pelas autoridades de Israel, a Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês). “Fui buscar comida, para sustentar os meus filhos, e desmaiei lá. Ninguém me ajudou”, contou ao canal catari Aljazeera.
“Não consegui trazer qualquer ajuda. Regressámos a casa de mãos vazias, assim como viemos. De talvez 50 tentativas, só consegui comida uma vez. Uma vez, entre milhares de mulheres”, acrescentou. “Não há farinha, nem comida, nem nada. O meu marido, aquele em quem eu confiava, partiu [foi morto]. Quem me vai ajudar agora? Só Deus”, completou Kass.
A ONU denunciou a “fome fabricada” e mais de cem organizações não governamentais (ONG) pediram que o Executivo israelita retire os bloqueios. Telavive culpou o Hamas e argumentou que há 950 camiões no território que esperam a distribuição pelas ONG. Com pontos de entrega em áreas controladas pelos militares hebraicos, forçando a concentração dos palestinianos em certas regiões, a GHF ofereceu-se para distribuir tais itens.
O Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) não confirmou a quantidade de mantimentos que cruzaram a fronteira, mas salientou que são precisas duas autorizações pelos israelitas: uma para a entrada em Gaza e outro para a distribuição. E, mesmo com uma luz verde, “as missões são frequentemente impedidas no terreno”, disse o porta-voz do OCHA, Jens Laerke.
Nómada à força perdeu dois filhos
“A nossa história é de deslocação, perda de entes queridos, fome, humilhação e perda de esperança”, resumiu à agência Reuters Nizar Bakron, que vivia na Cidade de Gaza com a mulher Amal e quatro filhos. No dia seguinte a 7 de outubro de 2023, deslocou-se para a casa da sogra. Com sucessivas ordens de retirada emitidas por Israel, que cercou o Norte do enclave, foi para Nuseirat e, posteriormente, Rafah e Khan Younis, no Sul.
Quando regressaram para Nuseirat, a trégua acabou e foram obrigados a deslocar-se novamente. Na Cidade de Gaza, pela primeira vez viveram numa tenda, montada ao lado de um edifício. Enquanto a família dormia, Nizan, ao telefone, testemunhou um bombardeamento que fez a estrutura colapsar.
O pai de 38 anos encontrou os corpos da filha Olina, de dez anos, e do filho Rebhi, de oito. Amal e o primogénito Adam, de 12 anos, ficaram feridos, enquanto o bebé Youssef teve uma perna partida. Em luto, a família teme o futuro, uma vez que o carro – que, em conjunto com um trailer, transportava pessoas, colchões, roupa, equipamento de cozinha e um painel solar – foi danificado no ataque, dificultando novas deslocações.
Sofrimento por trás das lentes
“Deixámos de ter energia devido à fome e à falta de alimentos”, afirmou o fotojornalista da agência France-Presse (AFP), Omar al-Qattaa, de 35 anos, nomeado para o Prémio Pulitzer no início deste ano – e cuja uma das fotografias ilustra esta página.
As três maiores agências de notícias do Mundo, a AFP, a Associated Press e a Reuters, bem como a estação britânica BBC, afirmaram, em nota conjunta, que estão “desesperadamente preocupadas” com a situação dos seus profissionais. “Instamos mais uma vez as autoridades israelitas a permitir a entrada e saída de jornalistas em Gaza. É essencial que o fornecimento de alimentos adequados cheguem à população”, apelaram.