Apesar de ofertas de vários países e até das Nações Unidas, o Governo marroquino aceitou a ajuda humanitária de apenas quatro Estados. Na corrida contra o tempo para encontrar sobreviventes, existirão motivos políticos para não aceitar mais ajuda internacional.
Corpo do artigo
Depois do sismo de sexta-feira, que nesta quinta-feira teve uma forte réplica, as autoridades marroquinas tentam alcançar diversas aldeias na zona montanhosa do Alto Atlas, apesar das dificuldades em encontrar pessoas com vida. As construções de adobe, além de serem frágeis diante de um forte terramoto, dificultam as hipóteses de sobrevivência, já que as vítimas soterradas morrem sufocadas pela falta de bolsas de ar.
A catástrofe, que já matou quase três mil pessoas, gerou uma solidariedade internacional, com países como Portugal, França, Argélia, Tunísia, Alemanha, Itália e Canadá a manifestar interesse em enviar ajuda humanitária, sem resposta positiva de Marrocos. Nesta quinta-feira, os EUA ofereceram um milhão de dólares (932 mil euros) em fundos para "organizações no terreno a fornecer assistência alimentar, serviços de saúde e abrigo", segundo a chefe da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID), Samantha Power.
No entanto, o Governo de Marrocos não solicitou sequer o auxílio do Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (ENUCAH). O ENUCAH coordena a resposta internacional em casos de desastres, através das diversas agências da ONU, podendo despachar equipas entre 12 e 48 horas, segundo o canal de televisão Aljazeera.
Oficialmente, o Ministério do Interior de Rabat falou, no domingo, em evitar uma resposta descoordenada, pois esta seria "contraprodutiva". A decisão de autorizar apenas a atuação de equipas de quatro países – Catar, Emirados Árabes Unidos, Espanha e Reino Unido – foi feita com "base numa avaliação precisa das necessidades no terreno".
A decisão de o Executivo marroquino não ter escolhido a ex-potência colonial França gerou especulação na Imprensa francesa. Especialistas citados pela agência France-Presse referem a aproximação de Paris à Argélia – país que rompeu as relações diplomáticas com Marrocos, em 2021, devido aos "atos hostis" de Rabat. Argel, que chegou a abrir o espaço aéreo para voos humanitários para o país vizinho, disse que tomou nota da resposta marroquina – "da qual tira conclusões óbvias" – e redirecionou o apoio para a Líbia, onde as cheias provocadas pela tempestade Daniel terão deixado 20 mil mortos.
Outro motivo apontado para a falta de uma luz verde a França, será a falta de reconhecimento do Saara Ocidental como parte do território marroquino. O presidente francês Emmanuel Macron afirmou, num vídeo publicado na rede social X (antigo Twitter), que "cabe obviamente ao Rei [Mohammed VI] e ao Governo de Marrocos organizarem a ajuda internacional em plena soberania". O chefe de Estado europeu salientou ainda que França está disponível "para responder à sua escolha soberana".
Vídeo de Macron gera indignação
O apelo de Macron ao monarca marroquino não foi bem recebido por fontes da realeza ouvidas pelo jornal britânico "The Guardian". "Este vídeo goza da governança. Ele não tem o direito de se dirigir diretamente ao povo marroquino... Ele está a tentar evitar mais controvérsias, mas estas são controvérsias que ele mesmo criou e alimentou, usando as redes sociais", criticaram.
O "elusivo" rei marroquino, como classificou o "The New York Times", estava em Paris, numa das diversas residências que possui, no momento em que ocorreu o sismo, na sexta-feira. Homem mais rico de Marrocos, Mohammed VI, demorou quase um dia para regressar ao país, aparecendo publicamente na terça-feira, quando visitou um hospital com o próprio nome, em Marraquexe, e doou sangue.
No terreno, a estratégia utilizada por Rabat é alvo de críticas. "Nada está a acontecer. Estamos apenas a esperar. Eles decidiram não fazer nada. Estão apenas a dizer-nos para sermos pacientes, fazendo promessas", protestou Sami Sensis, que perdeu os pais na aldeia de Moulay Brahim, em declarações à CNN. Já a chefe da organização Amis Des Écoles, Amal Zniber, disse ao canal norte-americano que o Governo esteve presente "desde o dia um" e que, devido a extensão dos danos, não é possível "estar em todos os lados ao mesmo tempo".