Uma investigação do jornal "The New York Times" desencadeou uma série de reações contra o gigante dos conteúdos pornográficos na Internet. O Pornhub é acusado de incluir o abuso sexual de menores no seu catálogo de vídeos. Milhares de registos foram retirados da plataforma. Contudo, a polémica já se alastra a toda a indústria e a indignação pode vir a ter a força da lei.
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"Crianças do Pornhub". É assim que Nicholas Kristof intitulou uma das suas habituais colunas no jornal norte-americano "The New York Times" (NYT), em que acusa a plataforma de vídeos pornográficos de alojar vídeos com relações sexuais com menores, violação e conteúdo misógino e racista. O artigo, publicado a 4 de dezembro, obrigou o gigante da pornografia online a retirar milhões de vídeos e a implementar medidas de controlo de carregamento para a sua plataforma. Houve sistemas de pagamentos, como a Visa, que deixou de suportar as relações comerciais no site. E o artigo, que contava histórias de jovens vítimas de abusos, suscitou reações em todo o mundo.
Porém, o problema não se restringe a esta empresa, pelo que várias associações de proteção de crianças pedem ações contra os pesos pesados da indústria pornográfica.
Alguns exemplos do problema citados por Kristof: existem vídeos de uma rapariga de 14 anos a ser atacada sexualmente; uma mãe encontrou 58 vídeos de sexo da sua filha, que estava desaparecida no estado norte-americano da Florida; uma mulher, hoje com 23 anos, foi vítima de tráfico sexual desde os nove anos e existem registados dela a ser abusada.
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As imagens estiveram disponíveis no Pornhub e juntam-se a um rol de conteúdos de pornografia de vingança, câmaras escondidas a espiar mulheres e de outros crimes de teor sexual de extrema violência. Mesmo que os registos fossem denunciados às autoridades, os utilizadores do site conseguiam descarregá-las para os dispositivos pessoais, sem qualquer impediamento.
A investigação jornalística expôs a empresa, sediada no Canadá, que só em 2019 recebeu 42 milhões de visitas, de acordo com o jornal "El País". O Pornhub pertence ao grupo empresarial MindGeek, cuja principal atividade é a pornografia online. Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, parece ter ouvido o recado da opinião pública. Sem nunca referir o nome da empresa, o governante veio dizer, um dia após a publicação do "The New York Times", que está a trabalhar com as autoridades para pôr fim à exploração sexual e à pornografia infantil.
A plataforma de vídeos rejeita as acusações, que considera "falsas e irresponsáveis". Mas a empresa já tomou medidas: removeu dois terços dos vídeos do catálogo, passou de 13 milhões para quatro milhões de conteúdos nos últimos dias, e comprometeu-se a proibir o "upload" de vídeos de utilizadores não verificados. As empresas Visa e a MasterCard suspenderam os serviços de pagamento no Pornhub - em 2019, a PayPal já tinha feito o mesmo.
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Apesar da "limpeza" no catálogo de vídeos, o caso ganhou mais contornos e não só no Canadá. No Reino Unido, várias associações denunciam que os conteúdos sexuais com menores são cada vez mais recorrentes em sites pornográficos. Alguns grupos acusam o setor de "normalizar o abuso sexual infantil" ao mostrar, por exemplo, conteúdos ficcionados de pais a ter relações sexuais com os filhos recém-adotados.
A "pornografia de incesto" tornou-se, segundo alguns especialistas ouvidos pelo "The Guardian", convencional na maioria dos conteúdos de pornografia na Internet. "As pessoas que assistem estão a ser induzidas a procurar material cada vez mais extremo e vê-lo num site mainstream como o Pornhub normaliza um comportamento que há 10 anos seria considerado desviante", explica Amanda Taylor, diretora da Barnardos, institução britânica que cuida de crianças vulneráveis.
Perante os conteúdos ficcionados, a maioria dos sites pornográficos defende-se com a liberdade de expressão e a legitimidade de os adultos poderem ter fantasias sexuais. No caso do Pornhub, a polémica está longe de desaparecer com a denúncia de conteúdos de crimes sexuais, cujas vítimas são crianças e adolescentes. Como conclui a peça do "The New York Times", o "problema não é a pornografia, é a violação".