Portuguesa denuncia "injustiça" em repressão de protestos contra mina na Guiné-Bissau
Uma portuguesa na Guiné-Bissau, que não quis ser identificada, disse ao JN que se sente "insegura" devido aos recentes incidentes na aldeia de Nhinquin. Várias mulheres atearam fogo a instalações de um projeto de exploração das areias pesadas, devido aos danos que a atividade tem nas explorações agrícolas.
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Os últimos dias no norte da Guiné-Bissau têm sido marcados por distúrbios na aldeia de Nhinquin, na estância balnear de Varela. A Guarda Nacional guineense deteve um grupo de populares por alegadamente atearem fogo a instalações de um projeto de exploração das areias pesadas. Segundo a agência Lusa, foram detidas no quartel militar 16 pessoas e um jornalista da rádio Balafon de Ingoré relatou que “duas carrinhas cheias de pessoas” e escoltadas por soldados da Guarda Nacional deram entrada, ao princípio da noite de sexta-feira, no quartel.
Entre os detidos encontra-se uma empresária do ramo hoteleiro, de nacionalidade italiana. Segundo apurou o JN, será a ativista Valentina, filha de pai italiano e mãe guineense, proprietária de um alojamento turístico em Varela e presidente da associação Tchon Tchomano.
"O ambiente neste momento é calmo, essencialmente porque prenderam a Valentina, que foi o bode expiatório que arcou com todas as responsabilidades. A Val é presidente da associação que luta contra a retirada de areia, mas que desencoraja sempre qualquer ato de violência. As mulheres da tababanka alegadamente incendiaram a obra dos chineses, mas a Val sempre as desencorajou", disse a portuguesa ao JN.
Esta não é a única portuguesa a pedir justiça pela empresária. No Facebook, Lien Mei fez uma publicação, dizendo que "esta é uma injustiça que nos diz respeito a todos". "Hoje o mundo precisa ouvir o que está a acontecer em Varela, na Guiné-Bissau. A nossa amiga, irmã, ativista e empresária Valentina foi injustamente detida pelas autoridades, simplesmente por ser a presidente da associação Tchon Tchomano, uma voz ativa e legítima da comunidade", escreveu.
"Valentina é conhecida pelo seu amor por Varela e pelo seu contributo à comunidade através de um projeto turístico sustentável e enraizado na cultura local. Após várias manifestações pacíficas de populares descontentes com a atuação de uma empresa chinesa de mineração, que tem causado sérios danos ambientais e sociais na região, ocorreram atos isolados de vandalismo, mas esses aconteceram sem envolvimento direto da Valentina. Mesmo assim, ela foi levada sob custódia pelas autoridades em Ingoré, apenas por ser uma figura ativa e líder comunitária. Uma clara tentativa de silenciar quem defende a terra, o povo e os direitos humanos. Não podemos ficar calados", rematou.
Segundo as manifestantes, a atividade está a danificar as explorações agrícolas e a arruinar o ambiente local. "A exploração de areia em Varela, a única verdadeira praia com exceção das praias de braços de mar nas quais estamos sempre dependentes da maré para poder dar um mergulho, está a delapidar o areal e, pior, a interferir com a subsistência das tabankas, que subsistem da plantação de arroz. As bolamas estão a ser inundadas à conta da erosão resultante deste processo em curso desde 2014, que aniquila a produção de arroz", explicou a portuguesa ao JN.
"A verdadeira intenção é silenciar quem tem voz"
Para a cidadã lusa, a verdadeira intenção das autoridades guineenses ao deter Valentina é "silenciar quem tem alguma voz: o branco, apesar de também ser guineense", continuou, acrescentando sentir-se "insegura" e "com um sentimento grande de injustiça por quem luta por causas de todos e não tem o apoio dos mais beneficiados".
Os protestos em Varela não são novos. Ainda este domingo, várias mulheres terão atacado a instalação mineira de areias pesadas gerida por chineses, ateando fogo ao equipamento, segundo o ministro do Interior da Guiné-Bissau, Botche Cande, que defende que as manifestantes devem ser "presas".
O incidente aconteceu também a meio da tarde de sexta-feira, quando um grupo de mulheres da aldeia de Nhinquin ateou fogo às instalações. Segundo a portuguesa, as autoridades "estão a averiguar" e dizem "que foi cometido um crime quando incendiaram a obra".
A mesma ação já tinha acontecido em 23 de janeiro, também protagonizada por mulheres daquela aldeia. Na altura, a empresa GMG Mininig SARL suspendeu as atividades.
Estudos do Governo guineense indicam que na aldeia de Nhinquin, em Varela, existe uma mina de areias pesadas, das quais, após extração, serão aproveitadas o equivalente a 119 mil toneladas de minérios como ilmenite, zircão e rutilo. Esses minérios são usados nas indústrias metalúrgica e aeronáutica, assim como na indústria nuclear.
Desde o início da exploração das areias pesadas, em meados do ano 2000, que as populações de Varela têm reivindicado a rejeição ao projeto, considerando o local de exploração uma “zona sagrada”, onde fazem os rituais da aldeia de Nhinquin.
A Guiné-Bissau está classificada em 179.º lugar entre 193 no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Cerca de um quarto dos seus cidadãos vivia com menos de 1,90 dólares (1,70 euros) por dia, de acordo com os últimos dados do Banco Mundial. A pobreza e a instabilidade política fizeram do país da África Ocidental um alvo para os traficantes de droga, que o utilizam como território de trânsito para transportar cocaína da América Latina para a Europa.