António Calado, da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, revela que a entidade portuguesa já colaborou com as equipas de salvamento de Titan, o submarino que desapareceu à procura do Titanic.
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O responsável pelo organismo que tem como uma das funções o estudo da morfologia e características geológicas e hidrográficas do fundo submarino conta ao JN, em entrevista, que foi contactado para prestar auxílio, ainda que indireto. Explica também o tipo de problemas que podem ter ocorrido para o submarino ter desaparecido, e sublinha que as probabilidades não são favoráveis a que os tripulantes sejam resgatados com vida.
A Estrutura da Missão para a Extensão da Plataforma Continental tem estado em colaboração técnica com a equipa de salvamento. Qual é a função da equipa portuguesa?
Nós, neste momento, já não estamos numa colaboração direta. No início, fomos contactados para prestar auxílio, para avaliar a nossa disponibilidade e tivemos conversações para alinharmos um plano. Numa fase inicial, demonstrámos, do ponto de vista operacional, que estaríamos prontos para dar resposta se fosse necessário. Rapidamente chegámos à conclusão que valeria a pena explorar outras opções. Fazendo as contas, mesmo que saíssemos no momento imediato em que desligássemos aquele telefonema, demoraríamos cerca de sete ou oito dias a chegar ao local do acidente, o que significa que não chegaríamos em tempo útil de tentar resgatar as pessoas na janela temporal com ar dentro do submersível. Mantivemo-nos assim como backup, caso não houvesse nenhum melhor.
Como pertencemos a uma aliança internacional de veículos de investigação do mar profundo, que foi fundada inicialmente por alguns operadores destes veículos americanos, o que temos que fazer é contactar essas pessoas, que de facto são os que estão mais perto do local, na costa oeste dos Estados Unidos e do Canadá, e ver quais deles conseguem mobilizar o mais rapidamente possível. E foi assim que conseguimos ajudar em alguma coisa neste processo. Neste momento, com as cartas em cima da mesa, é uma questão de decisão de quem está a coordenar as operações.
O que é que pode ter corrido mal para a perda de comunicações?
Eu diria que há aqui dois grandes problemas que podem ter acontecido. Em termos de energia, de alguma forma o veículo pode ter ficado sem energia e os sistemas de comunicação com a superfície podem ter deixado de funcionar. Estes sistemas têm alguns backups para este tipo de situações, portanto fica por explicar porque é que nem mesmo os sistemas de backup conseguem transmitir.
Depois, existe um segundo grupo de coisas que podem acontecer a nível estrutural. O veículo pode, de alguma forma, não ter aguentado as pressões e ter ficado danificado, algo que obviamente também tem algumas lacunas, porque não era propriamente a primeira vez que o veículo estava a fazer aquele tipo de missão. Por ter corrido bem uma vez, não significa que corra sempre bem. Pode ter havido algum dano estrutural ao longo do tempo, que só se tenha refletido nesta fase. Mas o veículo em questão é um veículo relativamente recente e que tem instalado uma série de sistemas inovadores e com patentes registadas.
Relativamente à monitorização estrutural do casco, à medida que o veículo vai descendo, com sensores acústicos que medem a compressão dos materiais e sensores de tensão que dão informação da tensão em todo o casco, o próprio piloto pode decidir em tempo real se está tudo bem ou se existe algum problema que, em termos de segurança, o faça abortar aquela missão. As duas hipóteses são possíveis, mas têm detalhes por explicar que não batem certo nesta fase, e não podemos dizer com certeza o que aconteceu.
Qual será o maior desafio para a tripulação e para a equipa de salvamento?
Este tipo de missões são complexas e têm desafios multifatoriais. A primeira é arranjar veículos que cheguem àquela profundidade, sendo que não há muitos a nível mundial, nem para dar uma resposta em tão pouco tempo. Nós, por exemplo, apesar de não estarmos assim tão longe, não estamos perto o suficiente para chegar lá a tempo.
O segundo desafio é o facto de o acidente ter ocorrido numa área tão remota. Só para chegar lá, partindo do ponto de terra mais próximo, demoraremos certamente dois ou três dias a chegar. O desafio seguinte será, chegando ao local, descer o robô que vai fazer a busca e encontrar o submersível. Aquela zona já tem uma série de outros destroços do Titanic e, portanto, será feito um varrimento acústico para detetar alvos. A seguir, temos de analisar os alvos um a um, para identificarmos visualmente se é o alvo de que estamos à procura ou não.
Finalmente, o último desafio será trazer o submarino à superfície. O que é certo é que a janela temporal para combater estes desafios todos consecutivos é bastante pequena.
Que tipo de embarcações podem recuperar o submarino e como é que essa extração será feita?
A extração será trazendo o submarino à superfície. Trabalhar lá em baixo para abrir o submersível e extrair as pessoas, diria que só numa situação de recurso. Acredito que não será a abordagem inicial.
Quanto à mobilização dos meios, existem vários navios, e o submarino não é de grandes dimensões nem grande peso, portanto eu aí acho que serão encontrados os meios certos para conseguir trazê-lo à superfície. O problema agora é mesmo o somatório destas etapas, que vão queimando o tempo precioso que temos para ter sucesso nesta missão.
Qual é a probabilidade de este tipo de situações acontecer? É comum ocorrerem acidentes destes?
Não é nada comum acontecer, felizmente. A ida de pessoas dentro de submersíveis a este tipo de profundidades já conta com décadas de conhecimento e desenvolvimento deste tipo de veículos. O que é novidade aqui é que foi aplicada uma indústria nova, que nasceu há pouco tempo. Eu diria que é muito improvável este tipo de sistemas certificados e verificados, inclusive testados sob pressão, sofrer assim um acidente. Obviamente que não se consegue garantir a 100%, e infelizmente o resultado neste caso foi este, mas não é de todo expectável que isto aconteça.
Há realmente esperança de encontrar a tripulação com vida?
Como já referi anteriormente, isto são etapas com bastantes variáveis que não conseguimos controlar. Mas pondo as coisas um bocado ao contrário, também conseguimos imaginar que, de repente, tudo pode encaixar naquele período curto da janela temporal. Eu acho que, obviamente, temos de trabalhar neste sentido, na esperança de as coisas correrem bem. Sem dúvida que as probabilidades não são favoráveis. Há maior probabilidade de não conseguirmos encaixar todas estas etapas na janela temporal que temos. E isto partindo do princípio que o problema que ocorreu foi o problema menos gravoso, que é de facto um submarino que está lá em baixo intacto e só teve um problema de energia ou outro semelhante. Portanto, eu diria que as probabilidades não estão a nosso favor, mas existem. E é por isso que nessa baixa probabilidade temos de continuar a batalhar.