Quinze anos depois do 11 de Setembro, a resposta do Ocidente aos ataques terroristas nos Estados Unidos salda-se pelo crescimento global da insegurança e pela erosão do modelo democrático e da hegemonia liberal pós-Guerra.
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Este é mesmo o principal desafio atual à segurança internacional, sobrepondo-se à ameaça do terrorismo, que levou os Estados Unidos a envolverem-se na mais longa guerra da sua história, de acordo com declarações à Lusa de um painel de analistas nacionais e estrangeiros, especialistas em relações internacionais.
De certa maneira, as democracias estão mais viradas para dentro
A degradação da perceção de segurança nas sociedades ocidentais - fustigadas pela disseminação da ameaça terrorista, pelos fracassos e prolongamento de intervenções militares muito dispendiosas nas regiões entendidas como o berço dessa ameaça -, a par da crise financeira e do surgimento de novas potências à escala global, afirmaram nos últimos 15 anos um mundo multipolar, onde a principal ameaça à segurança global é agora a própria falência das fundações política e económica dominantes no pós-Guerra Fria: a democracia e o liberalismo.
"A principal ameaça do ponto de vista da segurança internacional, em geral, é hoje a erosão do modelo de ordenamento internacional que se instalou depois do fim da Guerra Fria. Esse modelo, essa ordem democrática, essa hegemonia liberal está posta em causa por uma multiplicidade de fatores", diz Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).
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Foi durante o período que se seguiu ao 11 de setembro que se "acentuou dramaticamente a crise do liberalismo e da forma como é recebido internacionalmente", diz também Anthony Dworfin, do European Council on Foreign Relations (ECFR) em Londres.
"Penso que a ordem internacional, em termos da influência do ocidente num sistema aberto do comércio mundial e no predomínio do imperativo da lei e da defesa dos direitos humanos está hoje posta em causa", acrescenta.
"É um facto que as forças liberais estão em recuo em todo o mundo e as forças anti-liberais estão em ascensão"
Na opinião dos analistas consultados pela Lusa, essa ordem internacional, vibrante ao longo dos anos 90, está a ser hoje desafiada pelas ineficiências do ocidente no domínio da segurança, mas também poder crescente de potências que não subscrevem a visão liberal -- com a Rússia à cabeça.
"De certa maneira, as democracias estão mais viradas para dentro - há um ressurgimento dos movimentos nacionalistas e populistas nos Estados Unidos e nos maiores países europeus, que torna difícil a capacidade para manter e defender essa ordem democrática internacional", sublinha Carlos Gaspar.
"É um facto que as forças liberais estão em recuo em todo o mundo e as forças anti-liberais estão em ascensão. Essa é hoje uma questão mais fundamental em termos de segurança do que o que vai acontecer com o terrorismo", acrescenta Anthony Dworkin.
"A crise financeira americana, a performance económica da China, a Primavera Árabe e o revisionismo agressivo do Presidente russo, Vladimir Putin, na Europa, associados à má gestão dos pós-guerras no Afeganistão e no Médio Oriente, expuseram os limites do poder dos Estados Unidos e aceleraram uma certa perceção do declínio do ocidente", concorda Bernardo Pires de Lima, também investigador do IPRI.
"Predomínio da agenda de segurança não se traduziu em resultados significativos na segurança global"
E como "os Estados Unidos encabeçam um ocidente triunfal do pós-Guerra Fria, todos os fracassos e sinais negativos com epicentro norte-americano, seja nas forças armadas, na política externa ou na praça financeira, como aconteceu por exemplo com a queda do Lehman em 2008, têm um impacto importante na ordem internacional", sublinha o mesmo analista.
Como diz Francisco de Borja Lasheras, investigador nos escritórios de Madrid do ECFR, se o 11 de setembro impôs a agenda da segurança a nível mundial, a verdade é que "este absoluto predomínio da agenda de segurança não se traduziu em resultados significativos na segurança global e do Médio Oriente em particular. Pelo contrário, a situação deteriorou-se fortemente".
Em grande parte das sociedades democráticas, por outro lado, verificou-se uma regressão das liberdades e do debate político, devido precisamente à "política do medo e à insegurança crescente", diz o mesmo analista. "A qualidade das sociedades democráticas degradou-se com a obsessão do terrorismo, que alimentou o discurso xenófobo e prejudicou a relação com as minorias na Europa".
É num terreno fértil criado por esta "política do medo" que Pires de Lima chama a atenção para o avanço da "passada russa". Putin, diz o analista, é "um elemento altamente perturbador na estabilidade europeia e no crescimento dos nacionalismos e da xenofobia na Europa".
"Isso já está a ter impacto na agenda norte-americana: vemos Trump elogiar mais Putin do que Obama, vemos ligações perigosas de muitos conselheiros de Trump a empresas públicas russas, vemos ameaças cibernéticas à campanha democrata, vemos uma intervenção russa na política norte-americana como nunca tínhamos visto no pós-Guerra Fria", sublinha o analista do IPRI.
"Devemos ficar preocupados com o alinhamento com Putin de um candidato potencialmente vencedor nos Estados Unidos, de uma candidata às presidenciais francesas potencialmente vencedora, de primeiros-ministros do leste europeu; de partidos em ascenção por via do debate xenófobo, como é o exemplo da AfD - Alternativa para a Alemanha. Estamos perante a ameaça de implosão do ocidente, das suas instituições e da democracia, de um verdadeiro retrocesso civilizacional", conclui.