O presidente do Partido Popular espanhol (PP, direita), Alberto Núñez Feijóo, considerou hoje que o parlamento de Espanha se prepara para aprovar uma amnistia de independentistas catalães "claramente antidemocrática" e espera uma intervenção da União Europeia (UE).
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A proposta de lei de amnistia foi entregue no parlamento na segunda-feira pelo partido socialista (PSOE) e resulta de acordos com dois partidos catalães que em troca vão viabilizar esta semana um novo Governo de esquerda em Espanha, liderado por Pedro Sánchez, na sequência das eleições legislativas de 23 de julho.
Para Feijóo, estes acordos são "um cambalacho impróprio da democracia" e realçou que "políticos independentistas vão amnistiar-se a si próprios".
"Que um político [Sánchez] amnistie políticos corruptos ou acusados de terrorismo em troca de votos não pode ser admissível na Europa", afirmou, num encontro com meios de comunicação social não espanhóis em Madrid, incluindo a agência Lusa.
Para o PP, o maior partido no parlamento de Espanha, "a deterioração da democracia espanhola é a deterioração da democracia europeia" e a UE tem mecanismos para monitorizar o cumprimento dos tratados europeus e do respeito pelo estado de Direito por parte dos estados membros, lembrando procedimentos de Bruxelas em relação a países como a Polónia, Hungria ou Roménia.
No caso de Espanha, "os pressupostos não são diferentes", afirmou Feijóo, que ressalvou que a lei de amnistia não tem uma versão final, pode ser ainda alterada antes de ser aprovada, e o PP esperará, por isso, para ver se o documento que sai do Congresso dos Deputados põe de facto "em causa o estado de Direito", antes de acionar outros mecanismos a nível internacional.
Para já, o Partido Popular Europeu pediu um debate sobre a situação do estado de Direito em Espanha no Parlamento Europeu, que o PP espanhol espera que se realize na próxima semana.
Na semana passada, o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, pediu já "informação detalhada" a Espanha sobre a amnistia, ainda antes de ser conhecida qualquer proposta de lei, com o argumento de que estava a gerar "sérias preocupações".
O Governo espanhol assegurou que explicará à Comissão "todos os detalhes" da futura lei e enviou hoje para Bruxelas a proposta entregue no parlamento, pedindo ainda uma reunião para explicar o documento aos responsáveis europeus.
Depois de aprovada pelo Congresso, a lei de amnistia terá de passar pelo Senado espanhol, que não a pode vetar, mas pode atrasar a entrada em vigor durante dois meses.
O dirigente do PP Esteban Gonzalez Pons disse hoje à imprensa estrangeira em Madrid que o partido espera "uma reação" de Bruxelas prévia à aprovação final da lei de amnistia "que impeça esta subversão da ordem constitucional" em Espanha, dentro de "mecanismos estabelecidos nos tratados e regulamentos europeus".
Para o PP, a amnistia é inconstitucional e o preâmbulo do documento conhecido na segunda-feira justifica-a com "grandes mentiras", já que o Tribunal Constitucional nunca declarou legal a amnistia de políticos e aquela que houve em 1977 foi anterior à atual Constituição, que é de 1978.
Por outro lado, a amnistia de 1977, aprovada no âmbito da transição da ditadura para a democracia, teve o objetivo "de passar de um sistema penal injusto para outro justo" e "apagar o sistema franquista", disse Gonzalez Pons, numa referência à ditadura de Francisco Franco.
No texto de "exposição de motivos" que acompanha a proposta de lei, o PSOE sublinha que a amnistia já foi considerada legal pelo Tribunal Constitucional espanhol em 1986 e que já foi aplicada em Espanha em 1976 e 1977, no âmbito da transição da ditadura para a democracia.
"Tudo isto nos permite concluir que a amnistia, longe de ser uma figura inconstitucional, faz parte do pacto fundacional da democracia espanhola", lê-se no texto, que acrescenta que, além disso, é reconhecida e aplicada noutros países da UE e está também "perfeitamente homologada" nas instâncias europeias e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Além da direita espanhola, os acordos do PSOE com os independentistas para a amnistia têm sido contestados por diversas entidades e setores, incluindo juízes e procuradores, que alertaram para a possibilidade de um ataque ao princípio da separação de poderes e à independência da Justiça.
Segundo a proposta de lei, serão amnistiadas as pessoas já julgadas, acusadas pela justiça ou envolvidas em investigações judiciais dentro do movimento independentista na Catalunha entre 01 de janeiro de 2012 e 13 de novembro de 2023.
O PSOE defende que esta amnistia devolve um conflito político à esfera política