As eleições presidenciais na Polónia decorrem sob pano de fundo da guerra na vizinha Ucrânia, a ameaça russa, mas também da incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos com a NATO e ainda a pressão migratória nas fronteiras.
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Uma nação na linha da frente
A geografia da Polónia confere à eleição uma importância acrescida. Fazendo fronteira com o enclave russo de Kaliningrado, com a Bielorrússia e com a Ucrânia — bem como com vários aliados ocidentais — ocupa uma posição crítica ao longo do flanco leste da NATO e serve como um importante centro logístico de ajuda militar a Kiev.
Pende sobre os polacos receios de que, se a Rússia prevalecer na invasão em larga escala da Ucrânia, poderá visar outros países que se libertaram do controlo de Moscovo há cerca de 35 anos.
Neste contexto, a eleição vai moldar a política externa de Varsóvia num momento de crescente pressão sobre a unidade transatlântica e a defesa europeia, suscitada pelo regresso de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro passado.
Ambos os principais candidatos apoiam o envolvimento militar contínuo dos Estados Unidos na Europa, mas, sobre política externa, Trzaskowski dá maior ênfase ao aprofundamento dos laços com a UE, enquanto Nawrocki é mais cético em relação a Bruxelas e promove uma agenda nacionalista.
Até perder o poder, nas legislativas de 2023, o partido que apoia Nawrocki, o Lei e Justiça (PiS), entrou repetidamente em conflito com as instituições da UE sobre a independência do sistema judicial, a liberdade de imprensa e a migração.
Apoio à Ucrânia
Além do reforço das relações de Varsóvia com os aliados da UE e da NATO, Trzaskowski concorda com o substancial aumento dos gastos em defesa, que colocam a Polónia no topo da lista da Aliança Atlântica com cerca de 4% do produto interno bruto.
Esta posição está em linha com o chefe do Governo, que nas últimas semanas tem desfilado junto dos principais parceiros europeus de Kiev, na pressão exercida sobre a Rússia para negociar um cessar-fogo e o fim do conflito.
O seu adversário, apoiado pelo PiS, assumiu inicialmente posições ambíguas sobre o apoio a Kiev, acusando o presidente ucraniano, de falta de gratidão, à semelhança do que fizeram Trump e o vice-presidente, JD Vance, quando destrataram publicamente Volodymyr Zelensky na Sala Oval da Casa Branca.
Posteriormente, Karol Nawrocki, que enfureceu Moscovo pelo papel na eliminação de símbolos soviéticos na Polónia, endureceu o discurso e defendeu a rutura das relações diplomáticas com “um Estado bárbaro, cruel e que devia ser isolado”.
O historiador defendeu ainda que não vai apoiar a adesão da Ucrânia à UE e à NATO enquanto Kiev não assumir a responsabilidade pelo massacre de polacos em 1943 em Volhynia.
No início deste mês, Nawrocki reuniu-se com Trump, na Casa Branca, que vaticinou a sua vitória, mas a reunião foi vista pelos críticos como uma interferência de Washington.
Esta semana, Nawrocki foi acompanhado na campanha eleitoral pelo candidato nacionalista George Simion às presidenciais romenas, um político de extrema-direita e pró-russo.
Simion, que disputa a segunda volta das presidenciais romenas também no domingo, foi recebido na quinta-feira por Andrzej Duda, na presidência em Varsóvia.
Ambos são fervorosos apoiantes de Donald Trump, que, além da ameaça de deixar os países sozinhos face à Rússia, abriu uma guerra comercial em todas as frentes.
Imigração
O apoio à Ucrânia para enfrentar a invasão russa é porém separado da situação dos refugiados do país vizinho.
A Polónia acolheu cerca de um milhão de ucranianos em fuga do conflito e está a enfrentar uma vaga migratória ilegal orquestrada, segundo Varsóvia, por Minsk e Moscovo, para colocar pressão nas fronteiras europeias.
No passado sábado, milhares de pessoas manifestaram-se em Varsóvia contra a imigração ilegal e contra o Governo, num protesto convocado por organizações nacionalistas, e muitos dos participantes a anunciar o voto em Nawrocki.
“Eu digo não aos centros de integração de imigrantes. Quero centros de deportação!” declarou o candidato conservador num comício na cidade oriental de Bialystok, perto da fronteira com a Bielorrússia.
A oposição nacionalista criticou ainda o Governo pró-europeu de Donald Tusk de ter cedido à Alemanha na questão da migração, acusando-o de permitir que Berlim sobrecarregasse a Polónia com residentes estrangeiros.
No entanto, o atual executivo argumentou que a Polónia foi atingida por imigração descontrolada sem precedentes históricos durante a administração anterior e abriu investigações sobre corrupção e outras falhas no sistema de vistos.
Trzaskowski, visto como um político mais aberto do que o próprio partido, tem no entanto endurecido o discurso sobre migração, procurando captar votos à direita e, tal como o principal adversário, defendeu limitações aos benefícios sociais dados aos refugiados ucranianos.
Aborto
Trzaskowski prometeu defender os direitos das mulheres e legalizar o aborto neste país maioritariamente católico, onde o procedimento é praticamente proibido.
Declarou apoiar medidas que permitam o aborto até à 12ª. semana — uma promessa já feita pelo seu partido nas passadas legislativas, que, no entanto, não foi votada no parlamento.
Sobre os direitos LGBTQ, outra questão sensível na Polónia, Rafal Trzaskowski indicou que apoia a ideia de uniões civis, incluindo para casais do mesmo sexo.
Em oposição, o adversário declarou que, como cristão e católico, é “pró-vida desde a conceção até à morte natural”, admitindo o aborto quando a vida da mãe é ameaçada pela gravidez, como é atualmente permitido na lei existente.
Nawrocki disse, no entanto, que não viabilizaria nenhuma iniciativa que suavizasse a legislação, nem mesmo para voltar à lei anterior a 2021, que permitia que a gravidez fosse interrompida em caso de diagnóstico de um defeito congénito grave no feto.
Do mesmo modo, recusou que possa vir a promulgar a introdução de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, defendendo que “na Polónia há dois géneros” e que, na Constituição, “o casamento é uma união entre uma mulher e um homem”.
A generalidade das sondagens indica que a maioria dos polacos defende alterações à lei do aborto e que esta foi uma das razões que levaram à participação recorde de 72,9% nas legislativas de 2023 e ao peso decisivo do voto das mulheres que os analistas atribuem à vitória dos liberais.
Interferência russa
À semelhança de outros escrutínios na Europa, a campanha eleitoral na Polónia está ameaçada por ações de intromissão externa, tendo o vice-primeiro-ministro e ministro dos Assuntos Digitais, Krzysztof Gawkowski, alertado para uma "tentativa sem precedentes da Rússia" de interferir no processo, indicando que a agência de informações militares de Moscovo, GRU, "redobrou a atividade contra a Polónia".
Na quarta-feira, uma agência de notícias estatal polaca informou avisou para uma possível tentativa de interferência na campanha através de anúncios políticos na rede social Facebook, que poderão ser financiados a partir do estrangeiro.
De acordo com a Rede Polaca de Informática Científica e Académica (NASK), encarregada pelo Estado de monitorizar as ciberameaças, foram recentemente criadas várias contas de propaganda política, gastando mais dinheiro nos últimos sete dias do que qualquer um dos comités eleitorais dos candidatos.
A apenas três dias das eleições, a NASK anunciou ter descoberto tentativas de interferência na campanha presidencial, com “mensagens coerentes com a linha de propaganda russa”.