Os países em desenvolvimento exigem, nesta 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), um novo apoio para aquilo a que não se podem adaptar face às alterações climáticas, mas não há ainda comprometimento. A associação Zero aponta dissonância entre expectativas dos países pobres e a falta de compromisso por parte dos ricos.
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Durante a primeira semana da COP27 a decorrer no Egito, alguns países como a Áustria, Escócia, Bélgica, Dinamarca e a Alemanha comprometeram-se a contribuir para um novo fundo de "perdas e danos", depois de o debate ter sido adicionado, pela primeira vez, à agenda da cimeira. Esperava-se que este ano fosse decisivo para a criação de uma forma de compensação dos países desenvolvidos (os mais poluentes) aos mais pobres. Porém, "foram feitos poucos avanços no sentido da criação de um mecanismo que responda realmente a esta questão", defendeu, ao JN, Ana Muller, da Associação Sistema Terrestre Sustentável (Zero).
"Não esperamos que se chegue a uma conclusão concreta sobre as perdas e danos durante esta COP27, visto que apenas se preveem alguns esboços de como um mecanismo destes pode funcionar e um prazo para a sua criação", justificou Ana Muller, apontando, em parte, a falta de apoio de "países cruciais", como os Estados Unidos da América (EUA).
Nesta cimeira, os EUA - o segundo país do mundo que mais contribui para a emissão de gases com efeito de estufa, de acordo com um novo relatório do Global Carbon Project divulgado esta semana - comprometeu-se, até agora, a integrar um projeto de energias renováveis com o Canadá e o México e a adotar um plano de compensação de carbono para angariar dinheiro para alocar aos países mais pobres.
Na sexta-feira, o presidente norte-americano, Joe Biden, avançou ainda que o país irá duplicar o financiamento para o fundo de adaptação para apoiar em 100 milhões de dólares o continente africano, mantendo-se em silêncio sobre as perdas e danos.
Países desenvolvimento resistem a apoios
Na quarta-feira, quarto dia da cimeira, os avanços foram dados por um grupo de 85 seguradoras africanas que decidiram ajudar, num valor de 14 mil milhões de euros, as comunidades africanas mais vulneráveis a lidar com os riscos climáticos.
"Parece haver uma dissonância entre as expectativas dos países em desenvolvimento e a falta de compromisso por parte dos países desenvolvidos em matéria de financiamento climático", apontou Ana Muller.
A França e a Alemanha assinaram acordos de empréstimo com a África do Sul para fornecerem 300 milhões de euros cada uma para apoiar a transição energética do país, como parte de um investimento de 97,6 mil milhões, ainda lançado na COP26, em Glasgow.
Atualmente 80% da eletricidade utilizada no país dependente do carvão. Inicialmente os dois países europeus tinham prometido mil milhões de euros cada um, o que significa que baixaram bastante os seus empréstimos. Falta saber os EUA, Reino Unido e União Europeia também se juntam a este esforço.
Segundo o Banco Mundial, a África do Sul necessita de pelo menos 497 mil milhões de euros para alcançar a neutralidade carbónica até 2050.
O Reino Unido comprometeu-se a adiantar alguns dos pagamentos da dívida climática dos países mais atingidos por fenómenos extremos. E Portugal irá garantir 400 milhões de euros aos PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa) para a sua transição energética.
Para esta última semana da cimeira, a decorrer até sexta-feira, a Zero diz ser necessário acordar estratégias para o fim da produção e consumo de combustíveis fósseis. Por isso, apela a que a União Europeia "não continue a assegurar fornecimento de gás a partir dos países africanos", prática que diz ser incoerente com os compromissos assumidos no Acordo de Paris.
Para a mitigação e a adaptação às alterações climáticas, muitos são os países que têm exigido, nesta cúpula, "uma reforma das instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional", sublinhou Ana Muller. Na última semana da cimeira, a decorrer até à próxima sexta-feira, a Zero diz ser necessário acordar estratégias para o fim da produção e consumo de combustíveis fósseis. Por isso, apela a que a União Europeia "não continue a assegurar fornecimento de gás a partir dos países africanos", prática que diz ser incoerente com os compromissos assumidos no Acordo de Paris, em 2015.
O pedido do Tuvalu
O Tuvalu é o primeiro país a exigir um acordo formal que elimine gradualmente o carvão, o petróleo e o gás nas negociações das Nações Unidas. O pequeno arquipélago de nove ilhas no Pacífico (ameaçado pelo aumento do nível médio do mar) juntou-se a Vanuatu e outras nações para pedir um Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis que "oriente o modelo de desenvolvimento para as energias renováveis e para uma transição justa longe dos combustíveis fósseis", disse o primeiro-ministro de Tuvalu, Kausea Natano, na sua intervenção na cimeira, durante esta semana.
Manifestações na "Zona Azul" da COP27
O Egito proibiu demonstrações públicas nas ruas, pelo que centenas de ambientalistas marcharam, ontem, no resort onde decorre a COP27. Na "Zona Azul" da cimeira, reservada para as negociações formais e de acesso estrito, os manifestantes fizeram ecoar palavras de ordem como "não existe justiça climática sem direitos humanos" ou "paguem pelas perdas e danos". Esta foi um protesto organizado por Sanaa Seif, irmã do ativista pró-democracia Alaa Abdel-Fattah. O britânico-egípcio está preso, desde abril, e em greve de fome após a abertura da cimeira. Este sábado foi também o dia em que milhares de pessoas protestaram em todo o mundo pelo clima.