O presidente de França, Emmanuel Macron, aceitou esta segunda-feira a demissão do primeiro-ministro Sébastien Lecornu, informou a Presidência, mergulhando ainda mais o país num impasse político.
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Nomeado em 9 de setembro, Lecornu foi alvo de críticas por parte dos opositores e da direita depois de revelar parte do seu Governo na noite de domingo, o terceiro num ano. Sébastien Lecornu deveria apresentar a sua declaração de política geral à Assembleia Nacional francesa na terça-feira. A demissão abre caminho para diferentes cenários, incluindo a convocação de eleições antecipadas em França.
Esta manhã, numa declaração a partir da residência oficial em Paris, Sébastien Lecornu justificou o pedido de demissão com a falta de condições políticas para permanecer no cargo. "Não se pode ser primeiro-ministro quando não existem as condições para governar", considerou o primeiro-ministro demissionário.
Lecornu disse que tentou "construir um caminho (...) em questões que anteriormente estavam bloqueadas", como o seguro de desemprego e a segurança social, para "restabelecer a gestão conjunta" e delinear um roteiro para tirar a França da crise. No entanto, o anúncio da composição do governo, no domingo à noite, "deu origem ao despertar de alguns apetites partidários", lamentou à porta de Matigon, a sede do governo.
O primeiro-ministro demissionário enumerou três razões que o impedem de continuar em funções. Disse que os partidos políticos "às vezes fingiram ignorar a mudança, a profunda rutura que representava não aplicar o Artigo 49.3 da Constituição", que permite aprovar leis sem o acordo do parlamento. Segundo Lecornu, a renúncia à aplicação do artigo em causa destruía o argumento da censura prévia da Assembleia Nacional.
Em segundo lugar, lamentou que "os partidos políticos continuem a adotar uma postura como se todos tivessem maioria absoluta na Assembleia Nacional". Referiu que, durante as três semanas de negociações que manteve com todo o arco parlamentar, esteve perto de chegar a um acordo, que as "linhas vermelhas estavam a tornar-se laranjas e, por vezes, verdes", e que "estava disposto a ceder". "Mas cada partido político quer que o outro adote a sua plataforma completa", criticou.
Em terceiro lugar, reconheceu que "a composição do governo dentro do núcleo comum", os partidos de centro e de direita que compõem o executivo, "não foi fluida". Essas tensões provocaram "o ressurgimento de alguns desejos partidários, por vezes relacionados (...) com as próximas eleições presidenciais" de 2027, afirmou Lecornu.
O primeiro-ministro demissionário disse que seria preciso pouco para que um governo funcionasse, mas defendeu que para isso seria necessário menos interesses partidários, mais modéstia e "ter em conta o interesse geral".
Agradeceu ainda a alguns partidos da oposição que compreenderam que o princípio de construir um compromisso "é poder combinar linhas verdes e ter em conta um certo número de linhas vermelhas", sem estar nos dois extremos. Lecornu insistiu que, apesar do mapa parlamentar fragmentado, com três blocos praticamente com o mesmo peso (aliança de esquerda, macronistas e centristas, e extrema-direita), as forças políticas deveriam "ser capazes de avançar". "Pelo menos para que aqueles que querem encontrar um caminho para o país possam avançar", acrescentou.
Incerteza
Os ministros em exercício cancelaram as suas agendas, alguns deles fora de Paris, como o ministro da Justiça, Gérald Darmanin, aguardando o desfecho da nova situação.
Tudo isto ocorreu apenas 13 horas depois de o presidente da República ter anunciado a composição de um Governo em que Lecornu estava a trabalhar desde a sua nomeação, após a queda do seu antecessor, François Bayrou.
Por trás da surpreendente demissão de Lecornu está a posição de um dos seus aliados, o partido conservador Republicanos, cujo líder, Bruno Retailleau, manifestou insatisfação com a composição do novo Governo, no qual esperava ter uma maior presença. Retailleau havia convocado para hoje uma reunião do seu partido para decidir se abandonava o Governo.
A escolha de ministros por parte de Lecornu foi criticada particularmente pela sua decisão de trazer novamente o ex-ministro das Finanças, Bruno Le Maire, para o Ministério da Defesa. Outros cargos importantes permaneceram praticamente inalterados em relação ao anterior gabinete.
Esta ameaça dos Republicanos de abandonar o Executivo, a concretizar-se, tornaria praticamente impossível a continuidade do Governo de Lecornu, dado que não tinha maioria parlamentar.
Pedido de eleições e alvo apontado a Macron
Da oposição, o primeiro a reagir foi o presidente do partido de extrema-direita União Nacional (RN, sigla em francês), Jordan Bardella, que apelou a Macron que dissolvesse a Assembleia Nacional após a demissão de Lecornu. "A estabilidade não pode ser restaurada sem o regresso às urnas e a dissolução da Assembleia Nacional", declarou Bardella à chegada à sede do partido de Marine Le Pen.
"A dissolução é absolutamente incontornável", disse a dirigente histórica da extrema-direita francesa Marine Le Pen, acrescentando que seria "sensato" que o presidente francês, Emmanuel Macron, se demitisse, uma opção que foi anteriormente afastada pelo chefe de Estado.
"A contagem decrescente começou. Macron precisa de sair", reiterou Mathilde Panot, líder do grupo da Assembleia Nacional do partido de extrema-esquerda França Insubmissa nas redes sociais, depois de ter registado a derrota de "três primeiros-ministros em menos de um ano" no comando do Governo.