A proibição de as mulheres afegãs frequentarem as universidades e trabalharem em organizações não-governamentais, imposta pelos talibãs, pode condicionar a ajuda humanitária ao país, avisou o coordenador da ONU para o Afeganistão, Martin Griffiths.
Corpo do artigo
A proibição levou a que cerca de 150 organizações não-governamentais (ONG), essenciais para a redistribuição da ajuda humanitária - dada sobretudo em dinheiro devido às sanções que os Estados Unidos aplicam ao movimento fundamentalista islâmico -, suspendessem parcialmente os seus programas e gerou uma situação de alarme no Afeganistão, que vive também as dificuldades de estar em pleno inverno.
A situação levou Martin Griffiths a decidir que vai visitar em breve o Afeganistão para discutir eventuais soluções com os trabalhadores humanitários que se encontram no país.
Também os voos das Nações Unidas que transportam ajuda foram parcialmente suspensos enquanto a ONU aguarda que os talibãs revertam as medidas tomadas contra os direitos das mulheres.
Os talibãs do Afeganistão, que controlam o país desde agosto de 2021, decidiram, em dezembro passado, proibir as mulheres de trabalharem em ONG, alegando que não se vestem apropriadamente e de acordo as rígidas regras do fundamentalismo islâmico, quando estão a desempenhar tarefas humanitárias.
O representante no país do Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU, Ramiz Alakbarov, condenou, de imediato, as restrições sobre os direitos das mulheres, sublinhando "o papel inegável das mulheres em todos os aspetos da resposta humanitária".
A ONU pediu então uma reunião aos talibãs para explicar como a proibição vai dificultar o trabalho de ajuda humanitária num país onde 28 milhões de pessoas dependem dessa ajuda para sobreviver, depois de 40 anos de guerra, 20 dos quais sob ocupação das forças da NATO.
"Sem mulheres que trabalhem, não podemos cumprir as nossas promessas ao povo, o principal objetivo da ajuda humanitária. Isto é mais do que uma questão de direitos, é uma questão prática", explicou Martin Griffiths, em declarações divulgadas, esta sexta-feira, pela televisão inglesa BBC.
Na mesma entrevista, Griffiths adiantou que a imposição dos talibãs não parece ser generalizada, mas disse que é o suficiente para que a ONU esteja a repensar o programa de ajuda.
"Neste momento existem lugares no país onde as mulheres parecem poder trabalhar. Mas não quero especular e dizer que a proibição não está a ser aplicada universalmente. Neste momento, não vejo como podemos continuar com esta situação", afirmou.
O dinheiro é numerado, etiquetado e é usado para os objetivos para os quais é dado
Griffiths aproveitou ainda para repudiar aquilo que chamou de "calúnias inúteis", referindo-se a uma polémica mensagem publicada no mês passado pelo Banco Central do Afeganistão sobre um alegado desvio de fundos humanitários.
O Banco assegurou ter recebido, em 29 de novembro e 5 e 6 de dezembro, três injeções de dinheiro no valor total de 40 milhões de euros para ajuda humanitária, tendo cada uma delas sido transferida diretamente "para um banco comercial" e depositada em contas de agências falsas detidas pelo movimento fundamentalista.
As acusações, divulgadas através de uma mensagem publicada na rede social Twitter, levantaram dúvidas sobre a transparência financeira do processo, mas, de acordo com o coordenador da ONU, a situação não seria sequer possível.
"O dinheiro é numerado, etiquetado e é usado para os objetivos para os quais é dado. É usado pelas agências humanitárias do sistema da ONU",garantiu.
"Não concordo com a ideia de que os talibãs dependem de financiamento internacional para a sua sobrevivência" porque "eles já recebem dinheiro através de impostos e da sua administração do Afeganistão", defendeu.