O anúncio do pacote de ajuda à Ucrânia no valor de cerca de 163 milhões de euros feito por Washington, esta quarta-feira, trouxe de volta o debate sobre as munições com urânio empobrecido. O que são e quais os riscos associados ao seu uso na guerra? Entenda a seguir.
Corpo do artigo
O que é urânio empobrecido?
O urânio empobrecido é um subproduto do processo de criação do urânio enriquecido – este segundo utilizado como combustível para centrais nucleares e certos tipos de armas. Por ser extremamente denso e ter muita energia cinética, as munições que utilizam o urânio empobrecido conseguem penetrar blindados, além de atingirem altas temperaturas, podendo até incendiar-se. Dependendo do impacto, os projéteis podem partir-se em pequenos fragmentos, que formam um aerossol de partículas conhecido como pó de urânio empobrecido.
O Exército dos Estados Unidos começou, nos anos de 1970, a fabricar projéteis perfurantes com urânio empobrecido. O material foi depois utilizado para blindar tanques e como munição para o avião de combate A-10, conhecido como "matador de tanques". Já na Guerra da Ucrânia, a munição equipará os tanques norte-americanos M1 Abrams.
Qual o perigo que a radição tem para a saúde?
Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) das Nações Unidas, diversos estudos foram feitos com ex-militares envolvidos na Guerra do Golfo (1990-1991) e nos conflitos nos Balcãs (1994-1999). Antigos combatentes que têm fragmentos inoperáveis de urânio empobrecido no corpo apresentam altos níveis de excreção da substância através da urina. Investigações sobre a taxa de mortalidade devido a doenças provocadas pela exposição ao urânio não encontraram ligações significativas no caso dos militares.
Dentro do corpo, o aerossol com fragmentos de urânio é absorvido aos poucos pelo pulmão, podendo ficar até 16 anos no órgão. Ao ser absorvido, passa pela corrente sanguínea, sendo expelido através da urina nos dias seguintes. Uma pequena parte permanece nos rins, ossos e outros tecidos moles.
Como qualquer material radioativo, há um risco de desenvolvimento de cancro – dependendo da dose à qual o indivíduo foi exposto. Um dos caminhos para a exposição de longa duração é através da ingestão de água e alimentos oriundos de solos contaminados pelo pó de urânio empobrecido que sedimentou-se. Mas a AIEA salienta que o risco é baixo, já que a substância não é transportada de uma forma eficaz ao longo da cadeia alimentar.
Por que os Estados Unidos vão enviar este tipo de munição à Ucrânia?
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmou que o progresso da contraofensiva acelerou nas últimas semanas. "Esta nova assistência ajudará a sustentá-la e a criar ainda mais impulso", argumentou o chefe de diplomacia dos Estados Unidos, que esteve esta quarta-feira em Kiev para anunciar um pacote de apoio à Ucrânia no valor de quase mil milhões de euros.
Apesar de diversos oficiais citados pelos média norte-americanos terem julgado a lentidão e as táticas falhadas da contraofensiva ucraniana, os EUA continuam sem criticar publicamente a estratégia de Kiev. A nova ajuda de Washington inclui 163 milhões de euros em auxílio militar, segundo o Pentágono, que enviará, para além da munição com urânio empobrecido, sistemas antiblindados, sistemas táticos de navegação aérea e mais munição para os Sistemas de Foguetes de Artilharia de Alta Moblidade (HIMARS).
Os Estados Unidos já tinham anunciado, em julho, o envio de bombas de fragmentação para Kiev. A medida foi alvo de protestos, já que este armamento, que espalha pequenas bombas indiscriminadamente sobre uma grande área, pode afetar populações civis por décadas – pois nem todos os explosivos detonam imediatamente.
Outros países já enviaram munições com urânio empobrecido?
O Governo do Reino Unido anunciara em março que enviaria munições com urânio empobrecido para equipar os tanques britânicos Challenger 2. O Ministério da Defesa de Londres justificou a decisão referindo-se ao "baixo impacto" que o armamento teria na questão sanitária e ambiental.
Urânio empobrecido "é um componente padrão e não tem nada a ver com armas nucleares", disse a Defesa britânica num comunicado, citado pela BBC. "O Exército britânico utilizou urânio empobrecido nos seus projéteis perfurantes de blindados durante décadas", completou.
Qual foi a reação da Rússia?
A embaixada russa em Washington classificou o anúncio dos Estados Unidos como "um sinal claro de desumanidade". O Governo norte-americano, "obcecado com a ideia de infligir uma 'derrota estratégica' à Rússia, está pronto para lutar não só até ao último ucraniano, mas também para acabar com as gerações futuras", acrescentou.
"Os Estados Unidos estão a transferir deliberadamente armas com efeitos indiscriminados", escreveu a representação russa na rede de mensagens Telegram. Washington "está totalmente consciente das consequências: as explosões dessas munições resultam na formação de uma nuvem radioativa móvel", acusou a embaixada.
Em março, após o anúncio do Reino Unido, Vladimir Putin alertou que Moscovo seria "forçado a reagir". "Se tudo isto acontecer, a Rússia terá de responder em conformidade, dado que o Ocidente coletivamente já está a começar a usar armas com componente nuclear", declarou o presidente russo.