Quem é Mohammed bin Salman da Arábia Saudita, a falsa esperança do Médio Oriente?

Mohammed bin Salman com Donald Trump na Casa Branca, Washington, em Março deste ano
Jonathan Ernst/REUTERS
Mohammed bin Salman era a esperança do novo Médio Oriente, como lhe chamou Trump em 2017. Mas nas últimas semanas, tudo mudou e agora MBS é um príncipe comprometido.
Tudo começou a mudar definitivamente para Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, no dia 2 de Outubro, e foi por causa de um jornalista. Foi quando Jamal Khashoggi, um repórter crítico do regime do maior país árabe da Ásia e segundo maior país árabe do Mundo, entrou no consulado do seu país em Istambul, na Turquia, e nunca mais foi visto. Jamal fora chamado à embaixada porque precisava de um documento para poder casar com a sua noiva, uma cidadã turca, que o esperava no exterior do edifício. Mas Jamal nunca mais saiu, pelo menos pelo seu pé.
Esta semana, agentes dos serviços de segurança americanos encontraram provas de apoio às avaliações oficiais da Turquia de que Jamal Khashoggi, que não tinha cidadania americana mas vivia exilado na Virgínia, EUA, desde o ano passado, e era colunista do jornal "The Washington Post", foi alegadamente assassinado às mãos de sauditas dentro daquela embaixada. O país, apesar do cerco internacional cada vez maior, continua a negar o seu envolvimento no caso. Segundo fontes oficiais turcas, Jamal terá sido interrogado, torturado, assassinado e depois desmembrado - ou que terá sido mesmo desmembrado quando ainda estava vivo. O seu corpo esquartejado terá saído depois do país espalhado por várias malas de forma diplomaticamente oculta. O "The Washington Post" está a classificar o desaparecimento do seu colunista como um caso de "assassinato a sangue-frio patrocinado pelo Estado". E só - ou sobretudo - porque Jamal era jornalista e cumpria o seu papel de escrutínio do poder público.
Parece agora claro, escreveu esta semana a influente revista "The New Yorker" após investigação, que o jornalista saudita foi assassinado por ordem do príncipe herdeiro. Esta é uma das provas: naquele dia 2 de outubro, as imagens de videovigilância da embaixada saudita na Turquia documentam a entrada no edifício de um grupo de 15 sauditas que seriam um suposto esquadrão de morte; pelo menos cinco desses indivíduos foram já identificados por oficiais turcos como sendo membros da selecta Guarda Real Saudita, o corpo responsável por proteger os membros seniores da Casa de Saud, isto é a família real dominante da Arábia Saudita. "Eles respondem diretamente a MBS", disse um especialista da CIA, agência governamental de segurança dos EUA. MBS é o acrónimo pelo qual Mohammed bin Salman é popularmente conhecido no seu país e agora nos círculos mediáticos internacionais.
A primavera da vassalagem americana
Na primavera deste ano, antes portanto dos factos funestos que envolvem o jornalista Jamal Khashoggi, MBS iniciou em Los Angeles uma viagem de três semanas aos EUA, numa tournée de charme mediático, lobbying e negócios. O primeiro dia em LA incluiu uma série de encontros com algumas das maiores figuras da indústria americana do entretenimento e dos media, como o todo-poderoso patrão da News Corporation, Rupert Murdoch, o CEO da Disney, Bob Iger, o presidente da Universal, Jeff Shell, o diretor do canal de TV Fox, Peter Rice, a CEO da Twentieth Century Fox Film, Stacey Snider, e diversos atores de primeira linha como Morgan Freeman, Michael Douglas, Dwayne "The Rock" Johnson, ou o produtor Brian Grazer e a milionária comunicadora Oprah Winfrey.
O príncipe de 32 anos, que ficou hospedado no ostentoso Four Seasons, em Beverly Hills, ocupando com a sua comitiva todos os 285 quatros do hotel, incluindo 100 suítes, reuniu-se com muitos outros VIP da política e líderes empresariais americanos, como três ex-presidentes, Bush pai, Bush filho e Bill Clinton, Jeff Bezos, dono da Amazon e do "The Washington Post", ou Bill Gates, o milionário criador da Microsoft, para concretizar potenciais oportunidades de investimento. Os executivos da fama e da politica, visivelmente ansiosos para cortejar os milhões de dólares controlados pela família real saudita, mobilizaram-se em massa para os encontros com MBS.
Mas foi Donald Trump, naturalmente, quem foi mais longe - e mais cedo. A Casa Branca de Trump baseou toda a estratégia do Oriente Médio na visão do futuro monarca saudita logo desde o início. Jared Kushner, genro de Trump, sentou-se com conselheiros da Casa Branca logo após a tomada de posse do 45.º presidente americano, e chamou a MBS "o agente da mudança", o homem que salvaria a Arábia Saudita do futuro, como escreveu o "The New York Times". Kushner teve o apoio de todo o executivo, naturalmente. Pouco tempo depois e certamente devido a esse apoio explícito, os principais rivais políticos de MBS, incluindo o seu primo e príncipe herdeiro Mohammed bin Nayef, saíram de cena em manobras pouco claras.
Trump, naturalmente, não se importou: a sua primeira visita ao exterior como presidente foi justamente ao reino saudita e a celebração foi mútua, assim como a mitomaníaca contemplação dos seus líderes. Há claro, negócios de permeio e com números estratosféricos: quando o príncipe foi a Washington nesse périplo primaveril assinou um acordo de compras de armamento à América no valor de 12,5 mil milhões de dólares.
A história de uma bala numa personalidade impulsiva
Mas quem é este homem que agora está no topo da atualidade mediática mundial devido ao homicídio de uma voz dissonante da sua e que ainda há uns meses era apontado como a melhor esperança reformadora na velha Arábia?
Mohammed Bin Salman nasceu a 31 de agosto de 1985 e foi nomeado herdeiro do trono saudita pelo seu pai, o rei Salman, que anunciou sofrer de Alzheimer, em junho de 2017.
Desde que assumiu o poder, que exerce nas funções de primeiro-ministro executivo numa monarquia absoluta, o príncipe fez por projetar a imagem de um reformista, prometendo modernizar o regime de um país comandado com teocráticas. Liderou algumas reformas bem-sucedidas, como as restrições ao poder da polícia religiosa ou duas muito saudadas permissões às mulheres: a licença de poderem conduzir automóveis na Arábia sem que tenham que ser acompanhadas por um homem da sua família; e a permissão de entrada de mulheres nalguns estádios. Mais: as salas de cinema, proibidas na Arábia Saudita há 35 anos, voltaram a abrir e em Fevereiro deste ano realizou-se a primeira Comic Con de sempre em Riade, a capital do país, notícias recebidas em Hollywood como uma inesperada lotaria.
O programa governamental de MBS "Visão 2030" também é bem visto, sobretudo pelos empresários locais e pela sociedade ocidental, já que visa diversificar a economia saudita através do investimento em setores não petrolíferos (os sauditas têm a 2.ª maior reserva de petróleo do mundo e a 5.ª de gás natural), incluindo novas tecnologias e turismo.
Mas, apesar dos elogios internacionais por alguma liberalização social e económica na Arábia Saudita, são cada vez mais os especialistas e grupos de direitos humanos que criticam veementemente a liderança de MBS, as suas novas táticas ditatoriais e as deficiências do seu programa de reformas.
A verdade é que a personalidade impulsiva e virulenta de MBS foi sempre visível - o que acontecia era que o príncipe não estava no poder. Há uma história da sua juventude, repetida por todos e por isso já elevada à condição de lenda urbana, que tem a ver com a sua capacidade de persuasão perante um funcionário predial que se recusava, seguindo a lei, a registar umas terras em nome de Mohammed bin Salman. O que fez o jovem príncipe? Num gesto de grande eloquência mandou-lhe uma carta e convenceu o funcionário a mudar de opinião logo no dia a seguir. O que continha essa carta? Retórica fatal: dentro do envelope havia apenas uma bala - e mais nada.
A disrupção marca o seu poder
Esta vertente do currículo de Mohammed bin Salman adensa-se desde que chegou ao poder, como em dezembro de 2017, quando mandou prender por umas horas Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano que visitava a terra saudita, que foi mantido em cativeiro e alegadamente esbofeteado. Porquê? Porque MBS não concordava com a forma como Hariri era "brando" com o Hezbollah, grupo armado libanês mas também reconhecido partido politico.
Ainda no ano passado, MSB, aqui em conluio com o seu "gémeo político" Mohammed bin Zayed, o príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, anunciou um bloqueio ao Qatar, um pequeníssimo Estado do Golfo, com a intenção aberta de derrubar o seu rei. Valeu então a intervenção esclarecida da América, que pôs fim ao golpe económico.
Antes disso, e já a durar há quatro anos, existe a intervenção militar liderada por MBS no Iémen, de novo ostensivamente orquestrada com o príncipe dos Emirados, contra supostas "marionetas do Irão" no país. A campanha é simples: bombardeamentos indiscriminados com armas americanas cujo saldo soma, até agora, quase 20 mil civis mortos e um país que está à beira "da pior fome no mundo em 100 anos", segundo a ONU.
A manifestação mais amplamente divulgada da veia despótica de MBS, como aponta a "The New Yorker", faz um ano agora em novembro, quando o príncipe mandou reter no Ritz-Carlton de Riade 500 membros da família real saudita até que eles aceitassem ceder partes substanciais das suas fortunas. Não houve acusação legal, advogados ou julgamento - só uma massiva extorsão. Um desses milionários afetados era o príncipe Alwaleed Bin Talal, ex-acionista maioritário da 21st Century Fox, de Robert Murdoch, e investidor no negócio de parques temáticos da Disney na Europa.
Perante isto, as suas extravagâncias de milionário são notas de rodapé. Aponta, de novo, a "The New Yorker": em 2015, de férias no sul da França, comprou o iate de um magnata russo de vodka por 550 milhões de dólares; comprou também um castelo a oeste de Paris, com cinema e um fosso com uma câmara de vidro submersa para ver carpas; e em 2017, MBS despendeu 450 milhões de dólares em "Salvator Mundi", o retrato que Da Vinci fez de Jesus Cristo, para exibir na nova filial do Museu Louvre de Abu Dhabi, feudo do seu "gémeo siamês" e companheiro de subversões, o príncipe Mohammed bin Zayed, agora conhecido como MBZ.
