"Queria que o chão me engolisse". Sobreviventes dos ataques em Paris recordam noite de horror
Sobreviventes do massacre de 2015 na sala de concertos Bataclan, em Paris, disseram, esta quarta-feira, em tribunal, que "fingiram de mortos" no chão durante horas para evitar serem baleados.
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Um total de 130 pessoas morreram nos atentados suicidas sincronizados e tiroteios em massa em Paris na noite de 13 de novembro de 2015, incluindo 90 fãs de rock que assistiam à banda norte-americana Eagles of Death Metal no Bataclan.
Vinte pessoas estão a ser julgadas pelo massacre, incluindo o único membro sobrevivente da célula do Estado Islâmico por trás dos ataques, Salah Abdeslam. A maioria enfrenta prisão perpétua se for condenada.
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Esta quarta-feira, o tribunal ouviu os relatos angustiantes de alguns dos que sobreviveram ao ataque de mais de duas horas e à tomada de reféns no Bataclan.
"Saiam rápido, estão a recarregar"
Irmine, de 55 anos, foi a primeira a depor. Fabian, amigo de Irmine, foi um dos primeiros a ser morto a tiro quando três agressores invadiram o local e começaram a disparar em direção à multidão. A mulher disse que ouviu um dos agressores, que tinha "uma voz bastante aguda, quase infantil, a grita 'França não tem nada a ver com a Síria' e 'Matarei o primeiro que se mover'".
Deitada no escuro, contou que "queria que o chão me engolisse". Depois de "talvez meia hora", ouviu o chefe de segurança do Bataclan a ordenar a todos que "saiam rapidamente, estão a recarregar as armas".
Na saída, viu Fabian deitado no chão, reconhecível apenas pela "sua capa de chuva, as suas pernas e os seus sapatos". Irmine disse que tentou, em vão, arrastar o corpo dele para fora do teatro. Ela própria escapou com ferimentos leves. "Tive muita sorte, as balas apenas roçaram o meu peito", rematou.
"Poça de sangue"
Helen, uma norte-americana de 49 anos, testemunhou em francês sobre a perda do "amor da minha vida", o namorado britânico Nick Alexander. Quando os disparos começaram, Nick "agarra-me, atira-me ao chão e salva a minha vida", mas foi baleado. "Abraçámo-nos e eu disse-lhe: Amo-te, não te vou deixar'".
Depois de outra bala ter sido disparada, Helen sentiu uma sensação de queimadura nas pernas e perguntou a Nick se também tinha sido atingido. "Ele começa a dizer 'Estou a lutar para respirar' e 'Não consigo respirar'." "Peguei nele nos meus braços e percebo que estamos deitados numa poça de sangue", contou, soluçando.
Balas em queda
Jean-Marc acabara de sair do espetáculo para fumar um cigarro quando viu os atiradores. "Vi pessoas ao meu redor serem atingidas pelas balas, todos começaram a gritar e cair, ou porque foram atingidos ou foram arrastados pela onda", disse o homem de 40 anos ao tribunal, com a voz trémula.
Jean-Marc também caiu no chão, onde permaneceu na duas horas seguintes. Com o rosto pressionado no chão, não conseguia ver o resto do horror a desenrolar-se, mas conseguia ver os pés de um dos atiradores nas proximidades.
"Senti as cápsulas das balas a caírem-me na minha cabeça", disse. "Estávamos completamente impotentes, sem saber se seríamos os próximos a levar com uma bala ou não. É tão desumano, o objetivo era deixar cicatrizes permanentes".
Culpa de sobrevivente
Cedric disse que também "fingiu de morto" enquanto o horror se desenrolava. "Tentei derreter no chão", disse o ex-motorista de entregas de 41 anos. "Estavam a disparar contra nós como se fôssemos como coelhos, sempre que um telefone tocava ou alguém gritava por socorro."
A perna direita de Cedric foi esmagada na multidão, deixando-o incapaz de correr até hoje. O homem descreveu a sua luta com a "culpa do sobrevivente" e com as imagens que continuam a assombrá-lo.
Num mapa da sala de concertos, apontou vários locais que permanecem gravados na sua memória, incluindo o local onde uma pessoa que morreu enquanto o olhava diretamente nos olhos e outro onde uma pessoa se afogou no seu próprio sangue.