A guerra na Ucrânia mudou a agenda da reunião do G20, que arrancou esta terça-feira em Bali, na Indonésia, sem a presença do presidente russo. O conflito marcou o primeiro dia da cimeira, com críticas a Moscovo e palavras de Xi Jinping que parecem indiciar alguma impaciência com Moscovo.
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O artífice principal, ainda que involuntário, da união dos países mais ricos do Mundo é o principal ausente da reunião do G20, em Bali, na Indonésia. Vladimir Putin, o homem que desalinhou a ordem mundial com a invasão da Ucrânia, alegou razões de agenda e de ordem nacional para evitar a presença na "ilha dos deuses". O presidente russo fez-se representar pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que entre notícias e desmentidos sobre problemas de saúde, foi o centro das atenções.
"Esta manhã assistimos à condenação internacional da guerra da Rússia na Ucrânia, e com o ministro dos negócios estrangeiros russo aqui presente sublinhamos a ilegalidade e barbaridade da natureza da guerra russa e o impacto devastador que está a ter nas pessoas em todo o mundo, através dos preços elevados da energia e dos alimentos". A frase de Rishi Sunaki, ainda a aquecer o lugar de primeiro-ministro do Reino Unido e uma das caras novas presentes na cimeira do G20, resume o mote das discussões em Bali.
"Temos a responsabilidade de trabalhar com os aliados do G20 para corrigir a economia global, travar a inflação e preservar a ordem internacional -e é isso que vamos fazer", acrescentou Sunaki. Um libreto apresentado aos microfones da televisão pública britânica, a BBC, que evidenciou o tom dominante na cimeira, de união por uma causa e contra um agressor.
Segundo o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, o G20 concluiu, num rascunho da declaração conjunta, condenar a invasão russa da Ucrânia, apesar das divergências entre membros. A passagem do esquisso a tinta permanente será um acontecimento inédito, após um ano em que o grupo das economias mais ricas não conseguiu chegar a acordo sobre qualquer outro documento.
O rascunho, a que várias agências de notícias tiveram acesso, parece menos ambicioso que as palavras de Michel. Postula que "a maioria" dos membros condena fortemente a guerra na Ucrânia e sublinha que o conflito está a exacerbar as fragilidades da economia global, ainda mal recuperada da pandemia de covid-19. "O facto de se ter chegado a um acordo ao nível de delegações já é uma grande conquista", disse o presidente do Conselho Europeu, numa entrevista coletiva, pouco antes do início da cimeira.
Lá como cá, a caneta é uma arma apontada ao coração da Rússia e Lavrov, olhos e ouvidos de Putin em Bali, abre a boca par acusar o Ocidente de "politizar" a cimeira.
Com letras de um alfabeto de raiz comum, o cirílico, também se fizeram as palavras proferidas pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. "Estou convencido de que chegou o momento, que a guerra destrutiva da Rússia deve e pode ser travada", afirmou o líder ucraniano, convidado a discursar no G20, à distância do vídeo, um dia depois de visitar a cidade de Kherson, livre de russos, mas ainda território reclamado por Putin, que recua não desarma nas intenções expansionistas.
Já o presidente francês, Emmanuel Macron, "pediu à China contribua para enviar mensagens ao presidente Putin para evitar a escalada e voltar seriamente à mesa de negociações", informou a presidência francesa.
"Devemos acabar com a guerra", disse o presidente da Indonésia, Joko Widodo, a quem coube o papel de abrir os trabalhos. Sob o lema "recuperar juntos, recuperar mais fortes", a cimeira de Bali deveria concentrar-se nos riscos globais da pandemia de covid-19, na recessão económica e no desenvolvimento sustentado.
A invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro, transformou a Rússia no principal protagonista mundial e lançou o mundo numa guerra que criou novos problemas globais, como a crise energética ou o risco de escassez de alimentos. A insegurança alimentar, mais evidente no dia em que o Mundo passa a casa de oito mil milhões de pessoas, mereceu uma referência do presidente chinês, que, na boa tradição do império do meio, mede bem as palavras e os silêncios. "Temos de nos opor firmemente à politização, instrumentalização e ao uso da alimentação e da energia como armas de guerra", disse Xi Jinping, sem abandonar o mantra da oposição às sanções, o chicote favorito do Ocidente.
A declaração pode indiciar uma gradação do discurso da China em relação à Rússia, uma subida no tom do cinzento do discurso de Pequim. Na segunda-feira, um dia antes do início do G20, Xi havia expressado "grande preocupação" com o conflito na Ucrânia, o que parecia ser já uma subida do tom face a declarações anteriores em que Pequim se limitara a pedir moderação a Moscovo. Declarações do presidente chinês à entrada para uma reunião presencial com o homólogo norte-americano, Joe Biden. No encontro, os líderes das duas principais economias mundiais, sublinharam a importância do bom relacionamento entre ambas as nações para o futuro do Planeta e deixaram claro que o conflito na Ucrânia, ou qualquer outro, não pode nunca ser nuclear.
Uma ideia com total apoio de quem mais sofre com a ofensiva russa. Zelensky denunciou as "ameaças loucas da Rússia de utilizar armas nucleares". Dirigindo-se ao "G19", excluindo Moscovo, disse que não pode haver "desculpa para a chantagem nuclear".
O presidente ucraniano defendeu, ainda, a importância do acordo de exportação de cereais ucranianos num momento particularmente frágil da economia mundial. "A nossa iniciativa de exportação de cereais merece ser prolongada indefinidamente", disse Zelensky, numa reunião por videoconferência à porta fechada antes da cimeira de Bali, noticiou a agência de notícias France-Presse (AFP).