Hotel de Odessa que outrora recebia Zelensky é a casa temporária de refugiados. Desde novembro, já recebeu mais de 520 ucranianos deslocados da guerra.
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Sentado na cama, Sergey assiste à aula de inglês através do telemóvel. A imensa janela do quarto deixa entrar o sol de Odessa e ilumina o pequeno caderno pousado sobre a mesa-de-cabeceira. Está aberto na primeira página, escrita quase até à última linha com a caligrafia infantil de uma criança de 10 anos. Depois de incontáveis semanas sem aulas, devido à falta de eletricidade, Sergey vai poder finalmente encher todas as folhas do caderno. Num lugar seguro. Sem o aterrador barulho das armas.
Há três semanas que a família fugiu de Berislav, na região de Kherson, graças à Plich-o-Plich (Lado a Lado, em português), uma fundação de caridade que resgata ucranianos das zonas mais perigosas do conflito. No hotel Odesskiy Dvorik, que recebe refugiados desde novembro, não têm o espaço desafogado da quinta onde viviam, mas estão em paz. As gargalhadas e a música ecoam no quarto contíguo à improvisada sala de aula de Sergey, que salta da cama num ápice para se juntar à numerosa família. Ao todo são 11, os pais e as nove crianças, uma autêntica equipa de futebol que mantém a habitação o dia todo em roda-viva. "Sentimo-nos bem aqui. Não há tiroteios. Esquecemo-nos de como as diferentes armas disparam", desabafa a mãe, Olena. Em Berislav, a família foi obrigada a adaptar a casa de dois andares para se proteger dos russos. "Quando começavam a bombardear era assustador. Nesse momento, deixamos de saber o que fazer".
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Até encontrarem uma casa onde caibam todos, Olena e o marido Ivan vão continuar com os nove filhos no Odesskiy Dvorik. Além da estadia, o hotel com 58 quartos oferece refeições, um espaço para as crianças brincarem e organiza convívios, como aconteceu no Natal e na passagem de ano.
A gerir a unidade hoteleira que outrora recebia com frequência Volodymyr Zelensky, quando o presidente da Ucrânia era um comediante, está Boiko Artem. Desde o início da guerra que trabalha todos os dias, sem um dia de folga. Vive no hotel com a família e já recebeu mais de 520 refugiados. O primeiro chegou a 12 de novembro, vindo de Bakhmut. "Aqui, eles conseguem ter uma vida confortável. Claro que não é como estar em casa, mas tentamos dar-lhes tudo para que eles se sintam acolhidos. É como uma grande família".
Refugiado russo é voluntário
O objetivo é que os refugiados que aqui cheguem passem umas semanas no hotel até serem realojados em Odessa ou levados para fora do país. Por ser russo, Oleg não tem a mesma sorte. Desde dezembro que divide um dos quartos com a mãe, Aleksandra, depois de terem fugido de Kherson. O medo não os deixou sair antes.
Para trás deixaram quase tudo, mas ainda trazem na memória os tensos momentos que viveram na cidade onde residiam desde 1996. "Nunca vou esquecer os primeiros dias, quando se ouviram as primeiras explosões. Acordámos de madrugada e vimos as nuvens de fumo surgirem. No início de março, quando os russos chegaram, a cidade praticamente morreu". Ao recordar o último ano, Oleg pousa os olhos no chão. As palavras saem devagar. Lembra-se da sensação após a saída das tropas russas da cidade. "Não havia eletricidade, mas quando saímos de casa havia paz porque já não os víamos. Já tinham saído. Até o próprio ar era diferente. Era como se fosse mais fácil respirar".
Devido à nacionalidade carimbada no passaporte, o jovem de 27 anos tem dificuldade em prosseguir com a vida. Quer arranjar trabalho. Para já, tornou-se voluntário na fundação que o recebeu e ajuda outros refugiados a encontrarem a paz. "A forma como algumas pessoas olham para mim é diferente, nunca sei como vão encarar-me. É bastante difícil, mas claro que consigo perceber a razão".