Os Estados Unidos preparam-se para voltar à lua, mais de 50 anos após as famosas palavras de Neil Armstrong. Ao "pequeno passo para o homem" dado em 1969, segue-se o "salto gigante" até Marte, com o satélite natural da Terra a servir de trampolim para a exploração do planeta vermelho.
Corpo do artigo
A missão Artemisa, homenagem à deusa grega da Lua e irmã gémea de Apolo, o deus do Sol que apadrinhou as missões que levaram os americanos à Lua em 1969, atrasou devido a um diferendo em tribunal. A Blue Origin, fundada por Jeff Bezos, apresentou queixa contra a escolha da SpaceX, de Elon Musk, para a construção do foguetão que vai levar os humanos de volta ao satélite natural da Terra. A reclamação foi indeferida em novembro por um Tribunal federal dos EUA. Os reatores já estão a aquecer.
"Regressar à Lua o mais depressa possível e com a maior segurança é uma prioridade. No entanto, devido aos recentes processos em tribunal e outros fatores, a primeira alunagem de um ser humano ao abrigo do programa Artemisa não deverá acontecer antes de 2025", disse o administrador da Agência Espacial Norte-Americana, NASA, Bill Nelson, durante uma conferência de imprensa.
"O plano lunar assenta em duas fases: levar o homem de volta à lua enquanto se trabalha para uma exploração lunar sustentada na segunda metade da década", disse a NASA na apresentação do programa Artemisa. "Precisamos de vários anos em órbita e na superfície da Lua para ter a confiança operacional de conduzir trabalhos a longo prazo e de suporte de vida longe da Terra antes de podermos embarcar na primeira missão humana multianual a Marte. Quanto mais cedo chegarmos à Lua, mais cedo teremos americanos em Marte", diz ainda a agência espacial norte-americana.
"Esse vai ser forçosamente o próximo passo. Devemos caminhar para encontrar outros lugares no sistema solar. Não só por aquilo que fazemos à terra em termos ambientais, mas porque o sistema solar é dinâmico, não está acabado", argumenta Miguel Gonçalves, comunicador de ciência especializado em astronomia. "Convém desenvolver tecnologias espaciais e pousos lá fora", acrescenta.
"O conhecimento da Lua e daquilo que nos pode oferecer, até ao nível de recursos naturais para estadias mais prolongadas, é muito maior do que aquilo que sabíamos na década de 60", argumentou Miguel Gonçalves. "Tem armadilhas frias de gelo, água e dióxido de carbono. O H20 é fundamental para nós, como o oxigénio, por razões óbvias, mas há também o hidrogénio, que serve para fazer combustível para foguetões. O dióxido de carbono é muito importante, porque se pode extrair carbono para construir materiais na própria Lua", revela Miguel Gonçalves.
Em setembro, a Rolls-Royce revelou planos para a exploração mineira da Lua. "Há uma grande falta de metais raros na Terra. Sabemos que existem noutros planetas", disse Dave Gordon, diretor da divisão de Defesa daquela empresa britânica. "Extrair minério dos asteroides, da Lua e de Marte vai ser uma realidade", argumentou
"Explorar a lua ou asteroides próximos da lua, e a China também tem planos para isso, é fazer um jackpot cósmico. Há asteroides com valores económicos, ao nível de metais e ligas raras na terra, na ordem dos quadriliões de dólares", complementa Miguel Gonçalves, prevendo que o espaço venha a transformar-se numa arena económica nos próximos anos.
"A nossa próxima alunagem vai abrir caminho para uma nova e sustentada economia lunar", diz a NASA. Os EUA não estão sozinhos na corrida ao ouro cósmico. A China também está de olho nas riquezas do espaço e a Europa não quer ficar de fora da corrida ao cosmos, por onde passa o futuro da economia e da civilização humana, com novos negócios e desenvolvimentos para lá do horizonte.
A China, com um programa espacial bastante sustentado, sem grandes falhas até ao momento, planeia uma missão tripulada à Lua. Os chineses conseguiram o feito de alunar um robô no lado obscuro e são o único país com uma Estação Espacial própria.
Em março, os chineses anunciaram um acordo com a Rússia para a construção de uma estação internacional na Lua. "Comparado com os astronautas americanos, que só poderão ficar na lua algumas dezenas de horas após a alunagem, os chineses vão poder ficar na lua por períodos longos de tempo", disse Wu Weiren, desenhador chefe do programa lunar chinês, citado pela Reuters.
Os foguetões chineses não têm potência suficiente para mandar astronautas para a Lua, mas Wu Weiren espera fazer progressos até 2025, a tempo de tentar pôr um homem na lua antes do fim da década.
A Europa também está atenta a esta espécie de mercado emergente. "No futuro, dentro de 10 a 15 anos, iremos descobrir novos territórios onde a economia terá um papel importante. Será a Lua, eventualmente será Marte. Isso vai acontecer. Haverá pessoas lá, haverá crescimento económico, coisas à venda, coisas produzidas, novos recursos explorados", argumentou o diretor-geral da Agência Espacial Europeia, Josef Aschbacher. "Vai desenvolver-se uma nova zona económica", acrescentou, em declarações ao programa TecNet, da RTP.
Aschbacher considera que "haverá muitas oportunidades económicas", das comunicações aos transportes, na Lua. "A grande questão é se a Europa quer participar, se quer ter uma via própria, astronautas e uma nave espacial europeia. Na minha opinião, a Europa não pode ficar de fora, não pode deixar de construir uma nave e demandar esta nova terra que temos de descobrir e desenvolver", acrescentou, durante o encontro da ESA, em Matosinhos, em novembro.
O que a Lua nos deu e ainda pode dar
"Ir ao espaço dá saúde e faz crescer. A viagem ao espaço, a exploração espacial, traz sempre retorno económico. Quer do ponto de vista espacial, quer da inovação tecnológica que é sempre colocada ao dispor da humanidade, mesmo quando não se apercebe", diz Miguel Gonçalves, deixando exemplos em três áreas.
Saúde
Missão Apolo - As máquinas de hemodiálise portáteis são uma herança da primeira ida à Lua. Assim como a tecnologia das TAC ou filtros usados para purificar água.
Missão Artemisa - A habituação a períodos longos de vida em gravidade reduzida vai ter um impacto imediato na medicina e no desenvolvimento de novos medicamentos
Tecnologia
Missão Apolo -As lentes polarizadas usadas nos óculos de sol atuais derivam dos visores dos capacetes usados na Apolo I, assim como o material dos "kispos" ou a proteção contra o fogo usada em equipamentos dos bombeiros.
Missão Artemisa - A NASA lançou um concurso para o fabrico de reatores nucleares portáteis e autossuficientes para usar na Lua, que poderão ser uma fonte de energia segura a usar na Terra nos próximos anos.
Vida doméstica
Missão Apolo - A tecnologia da comida congelada foi aperfeiçoada pela ida à Lua. Assim como o wireless ou os microondas.
Missão Artemisa - A descoberta de novos materiais e combustíveis, como o Hélio 3, podem revolucionar a vida atual na Terra.
Cronologia do regresso americano à Lua
Os americanos planeiam regressar à Lua durante a década. O primeiro passo, com atraso, vai ser dado dentro de pouco mais de dois meses. O programa decorre nos seguintes moldes:
Fevereiro de 2022
ARTEMISA 1
A missão Artemisa 1 não inclui astronautas. A NASA vai usar o novo foguetão, o "Space Launch System" para um teste até à Lua.
Maio de 2024
ARTEMISA 2
A nave espacial Orion não vai pousar em solo lunar, mas "irá mais longe do que qualquer ser humano jamais foi, quase 65 mil quilómetros além da Lua e irá regressar à Terra".
2025
ARTEMISA 3
A primeira mulher a pôr o pé na lua deve partir a bordo do Starship, na melhor das hipóteses, em 2025, no regresso ao satélite natural da Terra.
Pormenores
Pó valioso - O pó lunar é composto por cerca de 45% de oxigénio. Segundo um estudo, um anel de 10 metros à volta da superfície da lua seria suficiente para manter oito mil milhões de pessoas na Terra durante 100 mil anos.
O último caminhante da Lua - A Apolo 17 foi a derradeira viagem tripulada à Lua, em dezembro de 2017. Eugene Cernan foi o último homem a caminhar no satélite natural da Terra. Morreu a 16 de dezembro de 2017, aos 82 anos.