Rendas congeladas, autocarros grátis e contra o "genocídio". Democratas escolhem socialista em Nova Iorque
Os nova-iorquinos escolheram o socialista Zohran Mamdani nas primárias do Partido Democrata que definem o candidato para presidente da Câmara no bastião democrata. Com propostas como tributar os mais ricos e diminuir os custos de vida dos mais pobres, o político poderá ser o primeiro muçulmano a liderar Nova Iorque.
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No discurso de vitória, o deputado estadual de 33 anos prometeu melhorar as condições de vida da classe trabalhadora da cidade e servir como um modelo para o futuro do Partido Democrata. “Uma vida digna não deve ser reservada a uns poucos afortunados”, disse o político nascido no Uganda, de pais indianos, citado pelo jornal “The New York Times”. “Deveria ser algo garantido pelo governo municipal para cada nova-iorquino”, acrescentou.
Mamdani prometeu ainda contribuir para acabar com as deportações feitas pela agência federal de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) na cidade, tornar os autocarros mais “rápidos e grátis” e congelar o preço das rendas para apartamentos regulamentados.
Mesmo com o apuramento a decorrer num sistema eleitoral complexo, em que os eleitores podiam fazer um ranking de cinco candidatos, o principal adversário de Mamdani concedeu a derrota. O ex-governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, que deixou o cargo em 2021 enquanto várias denunciadas de assédio sexual se tornaram públicas, reconheceu a vitória do socialista.
“Esta noite não foi a nossa noite”, admitiu Cuomo, que chegou a ser visto como o favorito e contava com um comité de arrecadação de 25 milhões de dólares (21,5 milhões de euros) e os apoios da cúpula do Partido Democrata e do antigo presidente norte-americano Bill Clinton. Na visão do ex-governador, a mensagem do deputado estadual conectou com os nova-iorquinos e “inspirou-os, comoveu-os e fez com que viessem votar”. “Ele conduziu realmente uma campanha de grande impacto”, declarou.
O triunfo de Mamdani acontece perante um cenário de disputa interna no Partido Democrata, que tenta acerta o rumo desde o regresso de Donald Trump à Casa Branca. O jovem político contou com o apoio das alas azuis mais progressistas, que incluem o senador Bernie Sanders e a congressista Alexandria Ocasio-Cortez (AOC). “Enfrentou a cúpula política, económica e mediática – e derrotou-os”, afirmou Sanders. “Bilionários e lobistas investiram milhões contra si e contra o nosso sistema de financiamento público. E você venceu”, escreveu AOC.
A ascensão de Mamdani nas últimas semanas, impulsionada pelas redes sociais, fez com que o parlamentar estadual recebesse o apoio de muito jovens, com a sua campanha nas primárias tendo recebido a ajuda de mais de 50 mil voluntários, um feito inédito em Nova Iorque. O foco foram propostas como o congelamento de rendas para certos apartamentos, a construção de 200 mil novas habitações e de supermercados públicos, autocarros e creches grátis. Para compensar tais políticas, o candidato defende o aumento de impostos corporativos e para quem tem rendimentos superiores a um milhão de dólares por ano.
Opinião contra Israel
Durante a campanha, Mamdani tem sido alvo de ataque dos adversários por causa da alegada inexperiência política. O conflito israelo-palestiniano dominou também o debate democrata, numa cidade em que mais de 11% da população é judaica.
Forte crítico da incursão israelita na Faixa de Gaza, ao qual classifica como “genocídio”, o democrata apoiou campanhas de boicote contra Israel e pediu a detenção do primeiro-ministro hebraico, Benjamin Netanyahu. Em 2023, apresentou uma legislação para cortar as isenções fiscais para organizações sem fins lucrativos ligadas a assentamentos israelitas que violam o Direito Humanitário Internacional.
Defendeu também a frase “globalize a intifada”, qualificando como “um desejo desesperado de igualdade e direitos iguais na defesa dos direitos humanos palestinianos” e comparando com a revolta do Gueto de Varsóvia. Sublinhando a diferença entre antissionismo e antissemitismo, Mamdani salientou ser contra o segundo e que investirá no combate aos crimes de ódio.
Mesmo com acusações de antissemitismo por organizações e adversários políticos mais à Direita, o socialista conseguiu apoio do grupos judaico pró-palestiniano Jewish Voice for Peace Action e de um candidato judeu nas primárias, Brad Lander, que ficou em terceiro lugar. Com o sistema de voto preferencial, os dois chegaram a trocar apoios para evitar uma vitória de Cuomo.
Lander acusou o ex-governador de Nova Iorque de “usar o antissemitismo como arma para marcar pontos políticos”. “Andrew Cuomo não tem o direito de me dizer como se deve ser judeu”, completou.
Mesmo tendo vencido a disputa pela candidatura do Partido Democrata, isto não significa que o socialista terá um caminho fácil nas eleições autárquicas de novembro. Apesar de ser um bastião democrata e uma vitória republicana ser muito improvável, o incumbente Eric Adams concorre como independente desta vez. O atual presidente da Câmara de Nova Iorque saiu da corrida partidária devido à baixa popularidade desde que se aproximou da Administração Trump, que retirou acusações de corrupção que Adams enfrentava. Cuomo não descarta concorrer de forma independente também.