Presidente enfrenta caos pós-terramotos com promessas de reconstrução. Especialistas em política consideram que catástrofe irá beneficiar líder nas eleições.
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A pouco mais de três meses das eleições, marcadas para 14 de maio, Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, enfrenta um dos maiores desafios do seu legado de 20 anos. Com a crise económica a fazer cair a popularidade do líder de Ancara antes dos sismos, o desastre natural, que já causou pelo menos 22 765 mortos na Turquia e na Síria, poderá ser o balão de oxigénio que o chefe de Estado precisava para se manter no poder. Entre abraços, palavras reconfortantes e promessas de uma reconstrução célere, Erdogan tem em mãos vários trunfos para fazer frente à oposição, mas o sucesso da inesperada campanha eleitoral dependerá da resposta à tragédia, da qual resultaram cerca de 79 mil feridos só em território turco.
"Realizar eleições neste contexto pode favorecer Erdogan. Tem aparecido ao lado das vítimas e já está a propor medidas para a recuperação, o que lhe pode ser muito favorável", salientou José Palmeira, professor de Relações Internacionais da Universidade do Minho, ao JN, recordando as garantias do rosto do poder turco, que se comprometeu a reconstruir todos os edifícios em ruínas no período de um ano, bem como doar 10 mil liras turcas (cerca de 497 euros) a cada vítima. "Se esse nível de resposta se confirmar, então Erdogan irá sair beneficiado", destacou Emre Peker, diretor do Eurasia Group para a Europa, ao "Financial Times".
Ganhos políticos
Apesar dos esforços, Erdogan, que tem visitado os locais mais afetados pelos sismos, admitiu que está a ser difícil "acelerar as intervenções", deixando uma mensagem à oposição, que tem criticado a capacidade de resposta do Governo. "Os oportunistas querem transformar dor em ganhos políticos", retaliou o presidente, enquanto percorria as devastadas ruas da cidade de Adiyaman.
José Palmeira frisou que "naturalmente Erdogan não tem culpa do sismo", contudo, observa que "com o país debaixo de um estado de emergência há um conjunto de limitações que não são favoráveis à realização de uma campanha eleitoral livre", ao passo que a sociedade também "estará mais preocupada com a recuperação".
O presidente do partido de oposição nacionalista Iyi, Meral Aksener, admitiu que não acredita que o escrutínio possa acontecer em maio, o que já tinha sido antecipado por uma fonte governamental não identificada, porém, ainda não existe uma confirmação oficial sobre o adiamento da data.
O atraso da votação prolonga, de forma automática, o mandato do presidente em funções, mas ainda é cedo para se perceber de que modo os esforços em prol da recuperação do país irão influenciar a reeleição. A seu favor, o líder tem o facto de a maioria das províncias atingidas pelos terramotos no Sul da Turquia serem consideradas redutos do AK (Partido da Justiça e Desenvolvimento), fundado por Erdogan. "O desempenho médio do partido nessas províncias tem estado acima da média nacional", explicou Sinan Ulgen, presidente do think-tank EDAM, com sede em Istambul, à Al Jazeera.
Oportunidade para Assad
Do outro lado da fronteira, o presidente sírio, Bashar al-Assad, apareceu ontem em público pela primeira vez desde os tremores de terra. Acompanhado pela mulher, o líder visitou o Hospital Universitário de Alepo e, poucas horas depois, comunicou que autorizava a entrega de ajuda internacional nas áreas controladas por rebeldes que ficaram devastadas.
"Há uma oportunidade nesta crise para Assad. Com isto, fica a parecer um ator responsável", analisou Aron Lund, especialista da Century Foundation, em declarações à agência Reuters, tendo em conta que há mais de uma década, desde que se iniciou a guerra na Síria, que o regime não tem qualquer relação diplomática com o Ocidente.