Francesco Vattimo, clínico de Bérgamo, contou ao JN o nó na garganta que sentem aqueles que têm de acudir à tragédia que tomou conta do país.
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A culpa é do vírus. Francesco Vattimo, médico em Bérgamo, na Lombardia, está separado da mulher e dos filhos pequenos, de 4 e 9 anos. Não os abraça há mais de 15 dias. Teve de arrendar um apartamento, o mais perto que conseguiu. "Felizmente, consigo saudá-los a partir da varanda".
Francesco está todos os dias em contacto com doentes infetados. "O medo de contrair o vírus é muito e tenho de salvaguardar a minha família". Mesmo que quisesse enganar o medo, os números disparam todos os dias como balas e lembram-lhe que o inimigo é implacável. Ontem, ficou a saber-se que o novo coronavírus, em 24 horas, venceu 546 pessoas só na Lombardia, onde já se perderam 3096 vidas.
Vivo longe dos meus filhos e a longo prazo pesa muito, mas temos de cuidar dos doentes do ponto de vista médico e humano
No hospital de San Francesco, com perto de 200 camas, a atividade ambulatória teve de ser suspensa para tratar dos infetados em recuperação. O médico de 42 anos nem sabe dizer quantas horas trabalha por dia. E até já foi pior. "No início, foi muito difícil. Estavam sempre a chegar doentes e tínhamos de acudir os nossos colegas." Ali, cerca de 40% dos profissionais de saúde foram contagiados. Ou seja, quase uma centena. Os 13 médicos mortos pelo vírus eram de outros hospitais, mas deste há dois em estado grave. Porque o equipamento de proteção só agora começa a chegar e já era tarde quando começaram a fazer os testes de despistagem.
Especializado em cardiologia, Francesco vive agora de coração apertado e a unidade nem recebe doentes que precisam de cuidados intensivos. "São momentos difíceis porque, muitas vezes, as terapias funcionam pouco e limitamo-nos a medicá-los para terem uma morte serena".
E depois há a comunicação com os familiares, desejosas por notícias dos doentes que não podem ver. Ainda esta semana, Francesco fez com o próprio telemóvel uma videochamada para que um doente visse a filha. Ela percebeu a gravidade da situação e teve que ser o pai a dar-lhe esperança: "Mal volte para casa, vamos os dois pescar para o rio", dizia o pai, enquanto ao lado um nó se apertava na garganta do médico. "Não sou ninguém para dizer à filha que este doente conseguirá voltar a casa", diz Francesco, que só espera voltar ele mesmo à dele. Talvez dentro de um, dois meses. "O que custa mesmo é não saber quando".