
Um militar das forças especiais bósnias revida o fogo, a 6 de abril de 1992, no centro de Sarajevo, enquanto civis são alvejados por franco-atiradores sérvios.
Foto: Mike Persson / AFP
As autoridades de Milão, em Itália, estão a investigar a alegação de que cidadãos italianos pagaram, na década de 1990, para serem franco-atiradores contra a população de Saraievo, então sob cerco de forças bósnio-sérvias. Estima-se que os valores pagos por tais "turistas de guerra" possam chegar aos 100 mil euros.
Corpo do artigo
As autoridades italianas procuram descobrir os nomes dos envolvidos, que, segundo os diários "Il Giorno" e "La Repubblica", eram maioritariamente fanáticos por armas de fogo, de extrema-direita, com capacidade financeira, que pagariam entre 80 mil e 100 mil euros para dispararem contra a população de Saraievo. Rodeada de montanhas, a capital da Bósnia-Herzegovina esteve sob cerco sérvio entre 1992 e 1996, o mais longo bloqueio da História recente.
Mais de 11 mil pessoas morreram na cidade entre bombardeamentos e ataques a tiro, muitos deles por estes tais "franco-atiradores de fim de semana". O procurador Alessandro Gobbis, que abriu o caso depois de o Ministério Público italiano ter recebido uma queixa em janeiro, investiga os alegados crimes de homicídio agravado por crueldade e motivos abjetos.
Segundo a queixa, um grupo reuniu-se na cidade italiana de Trieste e deslocou-se para Belgrado, capital da Sérvia, através da companhia aérea Aviogenex. De lá, os franco-atiradores foram para os arredores de Saraievo, onde pagaram as milícias comandadas pelo líder bósnio-sérvio Radovan Karadžić, condenado em 2016 por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, para atirar nos civis sob cerco "por diversão".
"Crianças custam mais"
"Há um preço a pagar por estes assassinatos: as crianças custam mais, depois os homens (de preferência fardados e armados), as mulheres e, por fim, os idosos, que poderiam ser mortos gratuitamente", informa a queixa apresentada pelo escritor e jornalista Ezio Gavazzeni, citada pela agência italiana Ansa. Em conjunto com a denúncia, há um relatório da antiga presidente da Câmara de Saraievo, Benjamina Karić, que fala em "estrangeiros ricos envolvidos em atividades desumanas".
Gavazzeni, que admitiu ter ouvido sobre alegados casos de turistas franco-atiradores ainda nos anos 90, dedicou-se à questão depois de ver um documentário de 2022 com testemunhos, incluindo de um ex-soldado sérvio. "O 'Saraievo Safari' (Safári de Saraievo) foi o ponto de partida", disse o escritor, citado pelo jornal britânico "The Guardian". "Iniciei uma correspondência com o realizador [Miran Zupanič] e, a partir daí, fui alargando a minha investigação até reunir material suficiente para apresentar aos procuradores de Milão", declarou.
Além dos "muito italianos", afirmou Gavazzeni, "havia alemães, franceses, ingleses... pessoas de todos os países ocidentais que pagaram grandes somas de dinheiro para serem levadas até lá para atirar contra civis". "Não havia motivações políticas ou religiosas. Eram pessoas ricas que iam lá por diversão e satisfação pessoal. Estamos a falar de pessoas que gostam de armas e que talvez frequentem stands de tiro ou façam safáris em África", completou.
