José Palmeira é professor no departamento de Ciência Política da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Diretor do Centro de Relações Internacionais de Investigação em Ciência Política, é também editor do jornal de ciência política "Perspetivas".
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Que se pode esperar das negociações entre Ucrânia e Rússia?
Se chegar a acontecer como tudo indica, decorrem debaixo de um clima de bastante tensão. A Rússia, pelo menos na sua retórica, tem colocado, para usar uma metáfora futebolística, "toda a carne no assador": ameaçou a Suécia e Finlândia relativamente à sua possível integração na NATO - e estamos a falar de dois países da União Europeia. Por outro lado, colocou em prontidão o seu sistema nuclear o que significa que há uma ameaça declarada ao Ocidente. Enquanto entra com as suas tropas no território da Ucrânia, não deixa de enviar uma mensagem velada ao Ocidente.
E porquê?
Isto certamente tem um objetivo que é, desde logo, reforçar a posição negocial da Rússia. Não sabemos muito bem qual a situação no terreno porque a informação que temos chega-nos dos dois lados e, muitas vezes em período de guerra, não são informações verdadeiras. As fontes independentes escasseiam. Cada um terá a real noção se está ou não a alcançar os seus objetivos estratégicos. A Rússia estará numa posição de maior força, na medida em que é o ocupante, aparentemente já obteve alguns resultados e a Ucrânia está numa posição de elo mais fraco. É verdade que uma negociação com estas características, uma negociação bilateral entre dois beligerantes, favorece o elo mais forte. Isto é, aparentemente, a Rússia estará em condições para impor as condições para o cessar-fogo e para sair da Ucrânia.
Quais serão essas condições?
Deverá manter, em princípio, a questão da Ucrânia não integrar a NATO, uma espécie de "finlandização" da Ucrânia, ser um território neutral. Também deverá colocar em cima da mesa o reconhecimento da ocupação da Crimeia por parte da Ucrânia e da comunidade internacional. E a questão das duas repúblicas do Donbass. Em princípio a Rússia também vai reivindicar que essas duas repúblicas, Donetsk e Lugansk, sejam independentes, eventualmente com o seu território histórico, não o território ocupado pelos separatistas, mas território ampliado .
Será que a Ucrânia, perante a intervenção militar, vai aceitar o que não aceitou antes?
Esta situação para a Ucrânia é complicada, porque numa relação bilateral o elo mais forte tende a prevalecer. É por isso que para a Ucrânia era conveniente que houvesse um mediador. Porque um mediador, sobretudo se tiver força junto da Rússia, e estou a pensar num país como a China, por exemplo - é neutral, na resolução do Conselho de Segurança da ONU absteve-se, tem também boas relações com a Ucrânia e tem força junto da Rússia - podia eventualmente defender mais a fraqueza ucraniana nesta situação.
Mas, aparentemente, não há um intermediário...
Segundo as informações que temos parece que a Rússia, embora ainda não ocupe na plenitude as principais cidades, terá já eliminado a capacidade antiaérea da Ucrânia e alguns aeródromos militares ucranianos estão desativados porque terão sido bombardeados. Se isto for verdade, a Ucrânia poderá estar numa situação complicada e ser levada a aceitar as condições da Rússia. Aparentemente, numa negociação bilateral a Rússia terá vantagem porque é o elo mais forte. Se houvesse uma organização internacional a mediar, o elo mais fraco estaria mais protegido. Aqui é um frente-a-frente. É melhor que haja do que não haver.
O cenário parece complicado para a Ucrânia...
Temos de admitir outra possibilidade: de isto ser estratégico para a Rússia ganhar tempo. Sabemos que uma operação deste tipo levanta questões logísticas muito grandes e aparentemente alguns blindados russos estarão com falta de combustível. E haverá problemas na chegada de alimentos às forças russas que estão em território ucraniano. Isto também pode ser uma forma de ganhar tempo para a Rússia estabelecer a sua logística. A Rússia pode querer montar isto como uma operação de cosmética, em que vai reivindicar coisas que sabe que a Ucrânia dificilmente irá aceitar e com isto ganhar algum tempo.
E se não houver acordo?
A escalada será muito maior do que foi até agora. Tirando os dirigentes políticos que coordenaram a invasão, os militares russos não tem propriamente nesta invasão um interesse muito próprio, cumprem ordens. O invadido esse sim, está lutar pela sua independência, pela sua soberania. Há mais moralização por parte do invadido do que da parte do invasor. Quanto mais tempo demorar, pior é para invasor porque a moralização das tropas tende a ser cada vez pior. Por outro lado, o próprio apoio da opinião pública é menor. Quando o invasor chega e é bem recebido - podia haver uma população ucraniana russófona que até apoiasse os invasores, mas não é isso que está a acontecer. Quanto mais se prolongar o conflito, pior para o invasor. É por isso que o mais normal é que use a sua capacidade, que é muita, e seja bastante destrutivo em termos de ataques aéreos, com a destruição das grandes cidades ucranianas a atingir a população civil e não apenas os alvos militares. Seria bom que houvesse um acordo, porque se não houver a Ucrânia estará em maior risco.