Longe da vista, mas não do coração. Apesar de estarem em Portugal, afastados do ambiente bélico que se vive no Leste da Europa, a comunidade ucraniana mostra-se apreensiva com os últimos acontecimentos e sente-se de mãos e pés atados perante o futuro, que se adivinha difícil.
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"Chegou o dia que ninguém esperava", assinala Nataliya Khmil, ucraniana em Portugal desde 2001, rosto da Associação Amizade, localizada em Rio Tinto, no concelho de Gondomar, que há 18 anos tem apoiado imigrantes do país. Ao JN conta que tem família a viver na cidade de Ujgorod, na zona mais ocidental do país, perto da fronteira com a Hungria, e que tem falado com eles de "meia em meia hora" com receio que "a qualquer momento a comunicação falhe. Não sabemos se para daqui a cinco minutos", referiu entre suspiros.
Embora se considere uma pessoa otimista, admite que as notícias, que na madrugada de ontem começaram a proliferar pelo Mundo, a fizeram chorar, sobretudo porque mais de 4000 quilómetros de distância a separam da irmã e da mãe que está acamada e que, como tal, não pode fugir para lado nenhum. "Não acreditavam que podia começar uma guerra", assinala, reafirmando que tanto quem está cá, como quem está lá "só quer estar livre".
Serviu Duchenkivskyy, em Portugal há cerca de 20 anos, é menos otimista em relação ao futuro. Com as filhas e a mãe a viveram a apenas 200 quilómetros de Kiev, acredita que aquilo que se está a viver atualmente é apenas o princípio de um grande conflito. "O Putin é um presidente que fala uma coisa, mas faz tudo ao contrário. Se já começou a guerra com a Ucrânia, brevemente vai avançar para a Europa", adverte.
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Preocupado com o que aí pode vir, tem um desafio em mãos que agora parece improvável de concretizar: trazer a mãe, que já viveu em Portugal e que tem nacionalidade portuguesa, para cá. Mesmo antes do cenário bélico invadir as ruas do país que o viu nascer, Serviu já tinha apelado à Embaixada portuguesa em Kiev para arranjar forma de trazer a progenitora para junto de si, mas os pedidos têm sido ignorados e atualmente são quase impossíveis de ser ouvidos. "Os aeroportos estão fechados e não dá para sair", reflete, enumerando os vários condicionamentos. "A minha mãe não tem carro. O táxi também não dá porque ninguém vai arriscar. Da minha cidade até à fronteira da Polónia são quase 800 quilómetros. Por isso não há outra alternativa a não ser ficar em casa", lamenta.
A única resposta que teve foi apenas a indicar-lhe que a mãe deveria localizar-se para outra cidade da Ucrânia, mas Serviu não vê nesta opção uma alternativa viável. "Qual é a diferença? Sair de casa não vale a pena. Sair para outra cidade dentro da Ucrânia não terá nenhum resultado porque as bombas caíam por todo o lado", aponta
Se para uns a ideia de sair das cidades não é uma hipótese, para outros talvez seja a única opção. Lyudmyla Filyuk, que diz ter uma vida estável e feliz em Portugal, vive os dias a pensar na família que deixou para trás e que hoje procuram uma forma de abandonar um país que se está a tornar num verdadeiro campo de batalha. "Estão todos assustados, mas ainda estão à espera de indicações. Estão preparados com malas, com passaportes e documentos essenciais", explica, indicando que a maior parte dos ucranianos que querem sair do território se vêm impedidos por não possuírem passaportes válidos. A única opção passa por se "esconderem em sítios seguros, como caves".
No caso dos seus familiares, que vivem em Lutsk, cidade onde um aeroporto militar foi ontem atingido por bombardeamentos, estes são possuidores de documentos, mas sentem-se perdidos sem saber qual o passo que deverão dar a seguir, uma vez que os homens da família já se voluntariaram para defender a pátria. Questionada sobre se ainda há esperança de bloquear uma guerra com maiores proporções, responde que isso só depende "da Europa, da América, das sanções e dos resultados políticos".
Sem meios para fazer mais, a comunidade ucraniana em Portugal mantém-se unida e solidária. Na tentativa de contribuir para a manutenção de paz, reuniu-se ontem em duas manifestações em frente ao Consulado da Rússia, no Porto, apelando ao fim do violento conflito.