A mais recente emboscada na Casa Branca, em que o presidente norte-americano, Donald Trump, acusou, na quarta-feira, a África do Sul de promover um “genocídio” branco, é mais um episódio de alta tensão na Sala Oval, onde líderes mundiais encaram duras declarações para além do protocolo diplomático.
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O chefe de Estado sul-africano foi a Washington para tentar reatar as relações com o Governo dos Estados Unidos, que insiste na retórica de conspiração de que o país está a expropriar e a matar a minoria branca dona da maior parte das terras. Cyril Ramaphosa chegou a trazer o magnata Johann Rupert e dois conhecidos atletas de golfe, Ernie Els e Retief Goosen, para demonstrar que há harmonia entre as diversas etnias na África do Sul – e que o crime é um problema comum a todos.
Após o presidente sul-africano pedir que o líder norte-americano ouvisse vozes de pessoas da África do Sul para se convencer de que não há um genocídio branco, um esforço coordenado pela Casa Branca começou. Ao baixar das luzes, foi exibido um vídeo de cinco minutos com alegadas provas de que há assassinatos de agricultores brancos e de que há um discurso favorável à violação racial no país.
Nos minutos seguintes, a tensão continuou enquanto a delegação sul-africana tentava convencer Trump de que as acusações são falsas – com um Ramaphosa calmo a tentar apaziguar a situação com uma piada. “Desculpe, não tenho um avião para lhe dar”, disse o chefe de Estado, numa referência ao presente do Catar para o líder norte-americano.
Esta situação na Sala Oval é mais um dos vários casos desde que Trump regressou à Casa Branca. O mais emblemático foi a 28 de fevereiro, quando o republicano e o vice-presidente dos EUA, JD Vance, tiveram uma altercação com Volodymyr Zelensky, alegando que este não tinha agradecido a ajuda militar a Kiev.
O “grande momento televisivo”, como considerou o chefe de Estado norte-americano com uma longa carreira mediática, provocou a saída mais cedo do presidente ucraniano e resultou na suspensão temporária do envio de suprimentos e de partilha de inteligência com o país invadido. Trump só viria a encontrar-se com Zelensky novamente no funeral do Papa Francisco, no final de abril, no Vaticano.
Antes um breve momento para que se registassem fotografias, o diálogo diante das câmaras na pequena Sala Oval transformou-se, neste mandato presidencial, um exercício de resistência de mais de uma hora para dignitários de todo o Mundo. Estes encaram a imprevisibilidade dos assuntos e argumentos trazidos por Trump, que pode questionar desde a balança comercial “injusta” à quantidade de assistência militar dos EUA.
Além disso, os líderes estrangeiros ouvem perguntas não apenas de jornalistas, mas também de influenciadores pró-Trump que têm um discurso muito alinhado com a doutrina de “Fazer a América Grande Novamente” do magnata. O presidente da Ucrânia foi indagado, por exemplo, por que não trajava fato e gravata durante a reunião na capital norte-americana.
A Casa Branca tem cada vez mais tentado controlar o acesso da Imprensa, tendo adicionado influenciadores e produtores de podcasts no grupo de profissionais que cobrem o dia a dia do centro de decisões em Washington. Ao mesmo tempo que tenta proibir a entrada de órgãos como a agência Associated Press, já que esta recusou-se a utilizar o termo “Golfo da América” para referir-se ao Golfo do México.
Históricos aliados dos EUA não escapam, com o primeiro-ministro do Canadá a ouvir Trump a defender que o gigante do Norte deveria ser o 51.º estado dos EUA. Mark Carney teve de salientar que o país “nunca estará à venda” – e foi rebatido com um “nunca diga nunca”. O chefe de Governo de Otava manifestou-se de forma silenciosa, articulando um “nunca, nunca, nunca” com a boca, mas sem usar a voz.
Ao mesmo tempo que Trump causa espanto em parceiros como Israel, anunciando de surpresa perante o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que Washington negociaria o programa nuclear iraniano com Teerão, o líder da Casa Branca insiste na deslocação forçada dos palestinianos de Gaza ao lado do rei da Jordânia, Abdullah II, que demonstra claro desconforto com a ideia.
Emmanuel Macron, presidente de França, teve de segurar o braço de Trump para desmenti-lo após o republicano alegar que a maioria do dinheiro europeu dado a Kiev seriam empréstimos a ser pagos posteriormente. Keir Starmer, do Reino Unido, foi questionado sobre a regulação das tecnológicas americanas, com JD Vance a acusar Londres de interferir na liberdade de expressão. “Temos liberdade de expressão há muito, muito tempo no Reino Unido e vai durar muito, muito tempo”, assegurou o primeiro-ministro britânico.
A situação é mais amena com outras lideranças de extrema-direita estrangeiras. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, agradou a Trump ao dizer que não devolveria aos EUA Kilmar Abrego Garcia, imigrante deportado por “erro”, como admitiu o Governo norte-americano. Já a chefe de Governo de Roma, Giorgia Meloni, teve de interromper, todavia, a tradutora para deixar claro a Trump que a Itália está a alcançar a meta da NATO de gastar 2% do PIB no setor de Defesa.
“Se Trump o convidar para o seu gabinete, entre por sua conta e risco”, resumiu o portal Axios.
Possível visita do Papa
O primeiro Papa oriundo dos Estados Unidos já recebeu um convite de Trump, através do vice-presidente, para visitar Washington. No encontro, Leão XIV terá dito “em algum momento”, segundo um vídeo divulgado pelo Vaticano, o que pode ser uma referência à proposta apresentada por Vance.
Antes de ser eleito no Conclave, o então cardeal Robert Francis Prevost partilhara nas redes sociais publicações críticas à política de imigração da Administração Trump. Apesar disso, o chefe de Estado norte-americano recebeu, na quarta-feira, o irmão do Pontífice, Louis Prevost, “um grande fã do MAGA [Fazer a América Grande Novamente]”.
“Estou ansioso para levá-lo à Casa Branca”, disse Trump em relação ao Papa. “Quero apertar-lhe a mão. Quero dar-lhe um abraço bem apertado”, acrescentou.
“Qualquer visita será provavelmente seguida de intensas negociações com o Vaticano sobre o protocolo”, antecipa a CNN. “Mas o espetáculo dos dois americanos mais famosos do planeta na famosa sala seria algo digno de ser visto”, completou a estação norte-americana.