Oleksandr e Larissa deixaram para trás Mariupol, uma cidade mártir em que apenas se sobrevive.
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Oleksandr e Larissa decidiram deixar Mariupol no dia em que a mãe da mulher morreu aos 97 anos de causas naturais. "Ela salvou-me a vida pela segunda vez. Deixou-me fechar-lhe os olhos e disse que nunca pensou morrer nestas condições", conta a filha. "Tinha acabado de lhe fechar os olhos", explica Larissa, recordando que, instantes depois, o prédio onde moravam foi bombardeado.
"Começou a entrar um fumo negro muito espesso, demos um passo para dentro das chamas. Saímos do quarto andar nem vivos, nem mortos." A fuga deixou queimaduras nas mãos de Oleksandr, o marido. Quase três semanas depois, continuam envoltas em ligaduras, mas são visíveis as pontas dos dedos ainda negras.
"Depois, ficamos à frente do prédio a ver o nosso apartamento já a arder." No dia seguinte, uns amigos foram até à casa. "As paredes ainda estavam quentes e negras, havia meio metro de cinzas, sem rasto da minha mãe, sem rasto de nada. Tinha ardido tudo", conta Larissa. O homem, um jornalista reformado, lamenta a perda dos milhares de livros que, com esforço, juntou durante vários anos: "Tínhamos uma biblioteca muito grande, não consegui salvar nem um."
"Nós não saímos. Fomos saindo aos poucos", conta Larissa para logo explicar que depois do ataque, passaram a noite na cave do prédio ao lado. Depois, o casal começou então uma caminhada pelo corredor humanitário em direção a Melekyne, uma aldeia 20 quilómetros a sudeste de Mariupol. "Caminhámos durante cinco horas. Os poucos pertences que tínhamos foram ficando pelo caminho. "Era muito complicado. Já somos velhos: a minha mulher tem 68 anos e eu 72. Fizemos várias paragens, mas com duas malas, já não havia forças" Os transportes não funcionavam. "Para nós era impensável andar tanto a pé." Quando já estavam a chegar à aldeia, foram parados num posto de controlo das forças russas.
Os militares de Putin levaram-nos a Manush, 19 quilómetros a norte. "A aldeia era controlada pelos russos. Ficámos em casa de um amigo. A casa era confortável, mas decidimos ir para Berdyansk. Passámos mais de dez postos de controlo russos em 60 quilómetros, mas com a ajuda de voluntários conseguimos chegar lá. Quando abriu o corredor humanitário de Berdyansk para Zaporíjia, fomos ter com a nossa filha."
Na rua estavam cinco graus negativos, em casa três abaixo de zero
Enquanto esperam pacientemente pela vez na fila do centro de ajuda humanitária para os refugiados, em Odessa, o casal conta que quando deixaram Mariupol, a 27 de março, a cidade já não existia. "As casas foram destruídas pelos aviões. Andar pela cidade era impossível. Não havia nem comida, água, eletricidade ou gás. Passámos assim um mês. Na rua estavam cinco graus negativos, em casa três abaixo de zero. Fazíamos comida numa fogueira, no pátio."
Para conseguir água, o casal ia até ao rio Dnipro. "Na altura, ainda era possível circular e vivíamos não muito longe do rio. Havia alguns recursos", recordam.
"A ocupação russa começou pela margem esquerda. Até agora, o centro está a aguentar. No centro da cidade não havia russos. Pelo menos não os vimos. Por vezes víamos tanques, mas não vimos soldados", recorda.
Larissa explica que viviam junto ao reduto do Batalhão Azov, que por estes dias é a última bolsa da resistência ucraniana na cidade. "A nossa casa ficava muito perto da fábrica metalúrgica Azovstal. Quando começaram a bombardear, destruíram a fábrica por completo".