Suicídio de professora faz Coreia do Sul refletir sobre pressão dos pais e direitos laborais
Aparente suicídio de uma professora de 23 anos devido à pressão de pais de alunos, em julho, motivou revolta que afeta o início do ano letivo na Coreia do Sul. Centenas de milhares de professores participaram num protesto em Seul, no sábado, enquanto uma manifestação esta segunda-feira reuniu cerca de 120 mil pessoas.
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Cerca de 120 mil pessoas compareceram nas manifestações que ocorreram em toda a Coreia do Sul, esta segunda-feira. Além de prestar homenagens à colega falecida, os docentes, vestidos de preto, protestaram contra ao tratamento dado à categoria.
O comício ocorreu em frente à Assembleia Nacional sul-coreana, na capital de Seul. "Os professores participantes planeiam apelar à descoberta da verdade por trás da morte da jovem professora e à revisão imediata da lei dos crimes de abuso infantil perante a Assembleia Nacional", disse um organizador do evento, não ligado ao sindicato, citado pela agência Yonhap.
O facto que deu ignição aos protestos foi o suicídio de uma professora de 23 anos, que dava aulas numa escola de ensino básico em Seul. Nos diários encontrados por um primo e relatados pela BBC, a docente queixava-se de diversas discussões com os pais dos estudantes. "O meu peito está muito apertado. Sinto que vou cair em algum lugar. Eu nem sei onde estou", escreveu a jovem, em junho, pouco mais de um mês antes de se suicidar.
Outros dois casos de suicídio de professores ocorreram na última semana, um em Seul e outro em Gunsan, no sudoeste do país, contribuindo para o levante. Uma vez acusado de abuso infantil, o docente não pode regressar à sala de aula até ser inocentado, sendo trocado por um substituto.
Os recentes episódios foram o combustível para a revolta dos educadores. No sábado, cerca de 200 mil manifestantes de todo a Coreia do Sul juntaram-se num comício próximo da Assembleia Nacional para pedir mais direitos.
As manifestações na segunda-feira ocorreram no 49.º dia após a morte da docente – data importante para o budismo, quando a alma da pessoa falecida parte para a vida após a morte. "Os mil cravos representam o que a falecida professora deveria ter recebido durante o seu período de ensino", afirmou um colega no palco, em declarações reproduzidas pela Yonhap.
Pelo menos 37 escolas em todo o país ficaram fechadas nesta segunda-feira, segundo o jornal em língua inglesa "The Korea Herald". Numa instituição de ensino no Oeste de Seul, 14 de 48 professores compareceram ao trabalho, de acordo com relatos de um docente à agência de notícias.
Proibidos de fazer ação coletiva
As atuais leis trabalhistas da Coreia do Sul não permitem que os professores realizem ações coletivas, com o Ministério da Educação a prometer que puniria com severidade, de acordo com a lei, os profissionais que se abstivessem das aulas, na segunda-feira. A maioria dos docentes tirou uma licença de um dia – o que o Governo considera ser uma forma de paralisação indireta.
"Tirar licença ou licença médica é um direito dos professores enquanto trabalhadores, mas a ameaça do Ministério da Educação de nos penalizar por exercermos os nossos direitos faz com que nós, professores, sintamo-nos sem esperança sobre em quem podemos confiar face a estes desafios", afirmou Lee, docente na cidade de Goyang, citada pela Yonhap.
O Governo, que apelou para que as manifestações não ocorressem, prometeu que vai, no entanto, tomar medidas para reforçar os direitos dos professores e a sua autoridade na sala de aula. Já durante o comício em Seul, nessa segunda-feira, o ministro da Educação Lee Ju Ho prometeu rever a abordagem que tem dado ao tema. "Vou reservar um tempo para olhar para trás e ver se tenho ignorado as vozes dos professores que exigem uma melhor proteção dos seus direitos", discursou o governante, citado pelo "The Korea Herald".
Bullying e desigualdade
O bullying entre estudantes é um grande problema nas escolas do país. Uma medida do Governo para acabar com os casos foi, em fevereiro, incluir registos de casos de bullying nas candidaturas universitárias. A ação gerou, no entanto, mais pressão dos pais para que os professores não punam o mau comportamento dos alunos.
Professores ouvidos pela BBC relatam que a tendência de assédio aos professores feito pelos familiares aumentou nos últimos anos, principalmente em zonas mais ricas. A acusação de abuso infantil tornou-se comum para situações como colocar um estudante problemático no fundo da sala ou ainda retirá-lo do recinto. Docentes suspeitam que o rápido crescimento económico faz com que pais com níveis elevados de educação vejam os profissionais do ensino básico de cima para baixo.