Tortura, maus-tratos e interrogatórios: uma longa história de norte-americanos detidos na Coreia do Norte
O soldado norte-americano Travis King, de 23 anos, foi detido, na terça-feira, depois de atravessar a fronteira da Coreia do Sul para a Coreia do Norte sem autorização. Recorde outros casos de norte-americanos detidos pelas autoridades norte-coreanas.
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Bruce Byron Lowrance
Em outubro de 2018, a Coreia do Norte anunciou que Bruce Byron Lowrance, um homem de 60 anos do estado norte-americano Michigan, tinha sido detido ao entrar ilegalmente no país vindo da China. As autoridades norte-americanas revelaram mais tarde que um homem com o mesmo nome e descrição tinha sido detido na Zona Desmilitarizada que separa as Coreias do Norte e do Sul. O homem terá dito aos investigadores que acreditava que a sua visita ajudaria a aliviar as tensões geopolíticas entre os dois países.
Lowrance foi libertado cerca de um mês depois de ser detido, naquilo que as autoridades dos EUA acreditam ter sido um esforço para melhorar as relações com o país após conversas de alto nível entre Kim Jong-un e o então presidente dos EUA, Donald Trump.
O homem não comentou publicamente a detenção e subsequente libertação.
Otto Warmbier
Otto Warmbier, um estudante da Universidade de Virginia, foi detido enquanto visitava a Coreia do Norte com um grupo de turistas em 2016. A visita, organizada por uma operadora de turismo low cost especializada em destinos fora do comum com sede na China, era uma viagem de cinco dias para conhecer a Coreia do Norte durante o período da véspera de Ano Novo. Segundo contou o pai do jovem ao "The Washington Post", Warmbier estava "curioso sobre a cultura deles" e "queria conhecer o povo da Coreia do Norte".
O norte-americano foi preso por remover uma faixa política de um hotel norte-coreano, tendo sido condenado a 15 anos de trabalhos forçados O jovem foi detido no aeroporto quando deixava o país em janeiro de 2016, onde chorou e implorou pela sua libertação, dizendo que cometeu "o pior erro da minha vida".
Logo após a sentença, o jovem sofreu uma lesão neurológica em circunstâncias pouco claras.
Warmbier foi libertado depois de Joseph Yun, então representante especial do Departamento de Estado para a política da Coreia do Norte, ter feito uma viagem secreta a Pyongyang.
O norte-americano voltou para casa em coma após quase 18 meses em cativeiro e morreu seis dias depois. Tinha o cabelo rapado, estava cego e surdo, tinha os braços e pernas "totalmente deformados" e uma enorme cicatriz no pé.
Autoridades norte-coreanas atribuíram a sua condição a medicamentos que, alegaram, o jovem tomava para combater botulismo, uma doença rara provocada pela bactéria Clostridium botulinum.
Matthew Miller
Matthew Miller, um professor de 24 anos da Califórnia, foi detido pelas autoridades norte-coreanas por ter rasgado o seu visto e acusado de atos de espionagem "hostis" durante uma viagem organizada em abril de 2014. As autoridades norte-coreanas alegaram mais tarde que Miller admitiu ter uma "ambição selvagem" de explorar o país e investigar as suas condições.
Foi condenado a seis anos de prisão com trabalhos forçados em setembro de 2014. Em entrevistas, Miller contou que passava grande parte do tempo a cavar nos campos, a remover pedras e a arrancar ervas daninhas, mas, fora isso, era mantido em isolamento restrito. Miller foi libertado no mês seguinte.
Numa entrevista ao "NK News", Miller admitiu que foi à Coreia do Norte com a intenção de desertar e de conseguir "falar com um norte-coreano comum sobre coisas normais", independentemente da política. "Eu estava a tentar ficar no país. Eles queriam que eu fosse embora", disse Miller. "Mas eu recusei. Simplesmente não fui embora". Eventualmente, o norte-americano decidiu pedir ajuda ao governo dos EUA.
Kenneth Bae
O operador turístico coreano-americano e missionário Kenneth Bae passou mais tempo detido do que qualquer outro cidadão norte-americano preso naquele país desde a Guerra das Coreias. Bae já tinha visitado a Coreia do Norte várias vezes, mas, numa ocasião, foi parado pelas autoridades, que encontraram um disco rígido com material cristão na sua posse.
Bae foi detido em novembro de 2012 e a Coreia do Norte apresentou uma série de acusações de "atos hostis", incluindo a tentativa de estabelecer bases para atividades antigovernamentais, contrabando de literatura proibida e incentivo a dissidentes. Foi condenado a 15 anos de trabalhos forçados e a imprensa estatal sugeriu que Bae só escapou da pena de morte devido à uma "confissão sincera".
Durante o seu tempo em cativeiro, a família disse que a sua saúde se deteriorou por causa das más condições e trabalho difícil. Parte da detenção foi passada num campo de trabalho para estrangeiros no qual era o único recluso.
Foi libertado dois anos depois e voltou para os EUA juntamente com Matthew Miller, após uma visita secreta a Pyongyang pelo Diretor do Serviço de Informações Nacionais James Clapper.
Num livro de memórias, publicado após a sua libertação, Bae disse que foi interrogado das 8 horas até as 22 horas ou 23 horas todos os dias durante as primeiras quatro semanas da detenção. O homem alegou ainda ter sido verbalmente abusado pelos guardas norte-coreanos.
Jeffrey Fowle
Um mês antes da libertação de Bae e Miller, a Coreia do Norte também libertou Jeffrey Fowle, um funcionário municipal do estado norte-americano do Ohio, que ficou detido durante seis meses por deixar uma Bíblia numa discoteca na cidade de Chongjin.
A libertação de Fowle ocorreu após negociações que envolveram o diplomata reformado e ex-congressista de Ohio, Tony Hall.
Oficialmente, a Coreia do Norte garante a liberdade de religião, mas analistas e desertores descrevem o país como estritamente anti-religioso. A distribuição de Bíblias e cultos de oração secretos podem levar à prisão ou à execução.
Robert Park
Robert Park, um ativista cristão de direitos humanos que tentava chamar a atenção global para o sofrimento do povo norte-coreano, foi detido após entrar no país em 2009. Foi libertado em 2010.
O homem disse que foi torturado pelas autoridades norte-coreanas. Por seu lado, a imprensa norte-coreana adiantou, na época, que Park confessou ter entrado ilegalmente no país e que tinha mudado de ideias sobre a Coreia do Norte depois de ser tratado com amabilidade.
Aijalon Mahli Gomes
Natural de Boston, Aijalon Mahli Gomes era um professor norte-americano que foi detido na Coreia do Norte em 25 de janeiro de 2010 quando cruzou ilegalmente a fronteira da China. Na época da prisão, morava e lecionava na Coreia do Sul.
Após a detenção, Gomes foi condenado a oito anos de trabalhos forçados e uma multa de cerca de 600 mil dólares (534 mil euros) por um “ato hostil” não identificado. A família de Gomes descreveu o cativeiro como "um período longo, sombrio e difícil".
O homem esteve detido durante seis semanas antes da sua libertação, em agosto, após a intervenção do antigo presidente Jimmy Carter.
Os motivos de Gomes para entrar na Coreia do Norte não são claros. Sabe-se, porém, que era um cristão devoto que frequentava regularmente a Igreja Every Nation, em Seul, a mesma igreja que frequentava Robert Park, de acordo com a CNN.
Em 2017, Gomes foi encontrado num parque de estacionamento da Califórnia misteriosamente envolto em chamas. O óbito foi declarado no local.
Euna Lee e Laura Ling
As jornalistas da Califónia Euna Lee e Laura Ling foram detidas, em março de 2009, enquanto filmavam um documentário sobre as condições humanitárias na fronteira da China com a Coreia do Norte. Com elas estava um cinegrafista norte-americano e um guia chinês, que escaparam e foram brevemente detidos pelas autoridades chinesas. Ling reconheceu que cruzaram a fronteira, embora tenha dito que passaram menos de um minuto na Coreia do Norte antes de tentar voltar para a China.
Lee e Ling foram acusadas de atravessar a fronteira ilegalmente e, em junho do mesmo ano, foram condenadas a 12 anos de prisão e trabalhos forçados. "Tentei preparar-me para uma sentença longa, mas nada me podia preparar para o veredicto", disse a jornalista, mais tarde, numa entrevista à "National Public Radio".
No entanto, em agosto, ambas foram libertadas após uma visita do ex-presidente norte-americano Bill Clinton a Pyongyang. Embora a visita tenha ocorrido a meio de uma onda de negociações indiretas entre a Coreia do Norte e o governo Obama, a Casa Branca disse que a visita de Clinton foi uma "missão exclusivamente privada".
Evan Hunziker
O missionário Evan Hunziker foi detido e acusado de espionagem em agosto de 1996, depois de ter nadado nu e bêbado pelo rio Yalu, da China até à Coreia do Norte.
Foi libertado três meses depois, quando o congressista norte-americano Bill Richardson visitou Pyongyang.
Os norte-coreanos inicialmente exigiram 100 mil dólares (equivalente a cerca de 89 mil euros) pela entrada ilegal de Hunziker no país, mas depois concordaram em libertá-lo depois de a conta de hotel de cinco mil dólares (4456 euros) ter sido paga.
Ao regressar, Hunziker elogiou os norte-coreanos pelo seu "belo gesto de paz", mas foi encontrado morto num aparente suicídio um mês depois.
Charles Robert Jenkins
O soldado norte-americano Charles Robert Jenkins, de 24 anos, atravessou a fronteira para a Coreia do Norte em 1965, enquanto patrulhava a Zona Desmilitarizada numa tentativa de evitar o combate no Vietname. Estava bêbado após consumir 10 cervejas.
O homem arrependeu-se rapidamente da deserção, mas ficou detido durante quase quatro décadas, ensinando inglês a soldados norte-coreanos e aparecendo em folhetos e filmes de propaganda do regime.
Em 1980, Jenkins casou-se com Hitomi Soga, de 21 anos, uma estudante de enfermagem japonesa que tinha sido sequestrada por agentes norte-coreanos em 1978. Soga foi autorizada a regressar ao Japão em 2002 e Jenkins foi libertado em 2004. Posteriormente, falou sobre as terríveis condições de vida na Coreia do Norte até à sua morte, aos 77 anos, em 2017.