Relatório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) descreve "provas credíveis" de torturas, trabalhos forçados e violências sexuais na região chinesa de Xinjiang, designadamente contra as comunidades uigures e outras minorias muçulmanas. O documento identifica "crimes contra a humanidade", mas não decalca o termo "genocídio", denunciado pelos Estados Unidos.
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"A dimensão e a detenção arbitrária e discriminatória de membros da comunidade uigure e de outros grupos de predominância muçulmana [...] podem constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade", lê-se no relatório da ONU sobre a província de Xinjiang, um território autónomo, numa vasta região de desertos e montanhas, no noroeste da China, onde, ao longo dos séculos, se instalaram muitos grupos de minorias étnicas, como os uigures-turcos, espalhadas pela antigas rotas comercais da seda, que ligavam a Médio Oriente à China.
O documento da ACDH não acrescenta informações relevantes em relação a relatórios anteriores sobre a situação humanitária em Xinjiang, mas imprime o selo da ONU às acusações dirigidas de longa data às autoridades chinesas. Contém diversas alegações principais sobre a situação em Xinjiang, todas já desmentidas pela China.
"Internamento e formação profissional"
Pontos a reter: "Esquema de detenção arbitrária em grande escala, pelo menos entre 2017 e 2019", em estabelecimentos prisionais de alta segurança, numa implacável campanha "em nome do antiterrorismo", como lhe chama Pequim, para travar os sangrentos atentantos que afetam a região, imputados a separatistas e islamistas da minoria étnica uigure.
Segundo o ACDH, as autoridades chinesas apresentam estas cadeias como "centros de formação profissional", destinados a "desradicalizar" e dar formação aos detidos. O relatório indica, ainda, os critérios chineses para justificar o "internamento por extremismo": "ter demasiados filhos, usar véu facial, no caso das mulheres, ou ter cadastro". Segundo Pequim, as definições de terrorismo e de extremismo estão "claramente especificadas" e "excluem qualquer aplicação arbitrária".
Com base em relatos de testemunhas, a ONU considera "credíveis" as acusações de tortura e de violências sexuais nos centros de internamento de Xinjiang. O documento revela, ainda, o depoimento de mulheres que dizem ter sido "obrigadas a abortar" ou esterilizadas após terem atingido o limite da política nacional de nascimentos.
Nomes "demasiado muçulmanos"
O ACDH considera, ainda, que a China tem uma interpretação "extremamente larga" do conceito de extremismo, ao ponto de criminalizar atividades "ligadas à fruição de uma vida cultural e religiosa". Vestir "hijab" (véu que cobre a cabeça e o pescoço das mulheres muçulmanas), fechar um restaurante durante o Ramadão ou dar aos filhos nomes julgados "demasiado muçulmanos", como Mohammed, Islam ou Jihad, são considerados sinais de "extremismo religioso", que podem acarretar consequências graves. O documento dá também nota de relatos de imprensa "muito preocupantes", sobre alegadas destruições de mesquitas e cemitérios muçulmanos.
Segundo Pequim, todas as"atividades religiosas normais" na região são protegidas por lei. As autoridades chinesas afirmam mesmo ter financiado o restauro de mesquitas e a instalação de novos institutos oficiais de formação de religiosos muçulmanos.
Segundo a agência France-Presse, a revelação do relatório foi alvo de pressões intensas, entre os que queriam torná-lo público, como os Estados Undios, e os que, ao invés, desde logo a própria China, pretendiam mantê-lo em segredo, por considerarem que se trata de "uma farsa" orquestrada pelo Ocidente, designadamente por Washington.