Treze pessoas julgadas em França por atos "racistas" contra a cantora Aya Nakamura
Treze pessoas vão ser julgadas, esta quarta-feira, em França, por insultos "racistas" à cantora franco-maliana Aya Nakamura, que foi alvo de críticas da extrema-direita e de assédio durante a sua atuação na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.
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Os arguidos, ligados ao grupo de extrema-direita Les Natifs (os Nativos), estão a ser julgados por terem colocado, em março de 2024, uma faixa onde se lia: "Nem pensar, Aya, isto é Paris, não é o mercado de Bamako" - uma referência à capital do Mali, onde a cantora nasceu.
A atuação de Nakamura provocou uma tempestade política entre a extrema-direita e os conservadores, numa reação que o presidente francês Emmanuel Macron descreveu na altura como "racista" e "chocante".
Os 13 arguidos, com idades compreendidas entre os 20 e os 31 anos, são agora acusados de incitar publicamente ao ódio ou à violência - ou de cumplicidade nesse incitamento - com base na etnia, nacionalidade, raça ou religião.
Apenas três compareceram em tribunal, enquanto os restantes dez foram representados pelos seus advogados.
O grupo Les Natifs defende a teoria da conspiração de extrema-direita e nacionalista branca chamada "Grande Substituição", segundo a qual os europeus brancos estão a ser deliberadamente suplantados por imigrantes não brancos.
Na altura, Nakamura reagiu ao ataque do grupo nas redes sociais, escrevendo "Podem ser racistas, mas não são surdos... e é isso que vos incomoda! De repente, sou o tema número um do debate - mas o que é que vos devo? Nada".
Nakamura não esteve presente na audiência de quarta-feira nem foi representada por um advogado.
"Chocar a opinião pública"
A cantora de 30 anos é a artista francófona mais ouvida em todo o Mundo e a sua atuação em julho de 2024 numa das pontes mais famosas de Paris, a Pont des Arts, foi um dos momentos mais vistos da cerimónia de abertura.
Mas quando, em março, começaram a circular rumores de que a estrela nascida no Mali e criada em Paris iria atuar, políticos e grupos de extrema-direita criticaram veementemente a decisão.
Uma atuação de Nakamura, que mistura francês com árabe e calão maliano, iria “humilhar” o país, sugeriu a líder da extrema-direita Marine Le Pen, apontando a sua suposta "vulgaridade" e “o facto de não cantar em francês”.
Os meios de comunicação social de extrema-direita amplificaram a faixa que Les Natifs colocaram ao longo do rio Sena, bem como outras provocações que o grupo partilhou com milhares de seguidores nas redes sociais.
Em março, o grupo cobriu com lençóis pretos retratos de mulheres com véu expostos numa igreja de Saint-Denis, nos arredores de Paris.
Stanislas T., de 24 anos, um dos treze arguidos que vão ser julgados na quarta-feira, vai também ser acusado neste processo na quinta-feira.
Em fevereiro, também colaram numa agência da Air Algeria, em Paris, cartazes onde se lia “Re-migrar de França para a Argélia, por um bilhete de ida sem regresso”, escrito sobre uma única mala.
O objetivo de grupos como Les Natifs é “provocar reações e chocar a opinião pública para que não tenhamos outra alternativa senão falar deles”, disse Marion Jacquet-Vaillant, especialista em movimentos de extrema-direita em França.
Entre os arguidos julgados esta quarta-feira, está o líder do Les Natifs, Edouard M., um profissional de finanças de 28 anos, e o porta-voz do grupo, Antoine G., um advogado de 27 anos. Nenhum esteve presente na audiência.
Capucine C., 22 anos, que até março de 2025 foi “assistente parlamentar” de três deputados de extrema-direita do Rally Nacional, esteve presente no tribunal na quarta-feira.
Luta contra a “Grande Substituição”
Em abril, um dos cerca de 50 membros do Les Natifs descreveu a identidade do grupo como “civilizacional, europeia; nacional, francesa; e local, parisiense”.
A chamada luta contra a “Grande Substituição” é a “mãe de todas as batalhas”, explicou Gabriel, de 25 anos, que trabalha em finanças.
Em 2024, o chefe dos direitos humanos da ONU alertou para o facto de a teoria da conspiração ser “delirante e profundamente racista”, bem como um motor direto da violência.
A queixa de Nakamura não é a única que decorre da cerimónia de abertura a ir a julgamento.
Em maio, um tribunal francês considerou sete pessoas culpadas de intimidação contra Thomas Jolly, o diretor artístico da cerimónia de abertura, que é assumidamente homossexual.
Em setembro, cinco pessoas serão julgadas por queixas semelhantes de Barbara Butch, uma DJ francesa e ativista lésbica que protagonizou uma cena controversa durante o evento.