A procuradora do Tribunal Penal Internacional anunciou esta quarta-feira a abertura de um inquérito sobre os alegados crimes de guerra cometidos desde janeiro de 2012 durante o conflito no Mali, onde estão destacados cerca de 800 soldados franceses.
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"Vários grupos armados semearam o terror e infligiram sofrimentos à população, num leque de atos de extrema violência a todos os estados do conflito", declarou a procuradora do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, em comunicado.
"Cheguei à conclusão de que alguns destes atos de brutalidade e destruição podem constituir crimes de guerra, relativamente ao estatuto de Roma", tratado fundador do TPI que o Mali ratificou em agosto de 2000.
O Mali é o quinto país africano, depois do Uganda, a República Democrática do Congo, a República Centro-Africana e a Costa do Marfim, a pedir ao TPI para investigar os crimes cometidos no seu território.
O presidente de França, François Hollande, enviou "com urgência" forças para travar a progressão dos combatentes islâmicos em direção à capital, Bamako, no sul, e o exército francês está a bombardear desde 11 de janeiro as bases e as posições dos rebeldes islamitas no norte do país.
Um responsável do exército maliano, que pediu o anonimato, disse que os grupos islamitas armados utilizam crianças soldados e "as populações como escudos" nas zonas que ocupam.
Contactado a partir de Dacar, a mesma fonte acrescentou que os rebeldes "têm duas estratégias: as populações como escudos e crianças soldados como combatentes".
Este é atualmente o caso em Diabali, a 400 quilómetros a norte de Bamako, onde, de acordo com fontes da segurança, combates corpo a corpo opunham hoje soldados franceses das forças especiais e combatentes islamitas.
Em Diabali, os islamitas "estão a usar as populações como escudos, o que complica as coisas para as tropas malianas. E só têm crianças soldados", acrescentou este responsável, que recusou adiantar pormenores "porque neste momento há operações em curso para desalojar" os rebeldes.
Diabali foi tomada na segunda-feira pelos rebeldes, alegadamente comandados pelo argelino Abou Zeid, um dos líderes da Al-Qaida no Magrebe Islâmico (AQMI).
Num comunicado difundido na terça-feira, a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) afirmou ter confirmado a presença, nas fileiras dos grupos islamitas armados, de "várias crianças" usadas como combatentes, de acordo com testemunhos recolhidos desde 8 de janeiro.
Há um ano que o Mali é palco de uma rebelião armada, desencadeada na sequência do ataque, a 17 de janeiro de 2012, à base militar de Menaka, na região de Gao, pelos tuaregues do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA).
Rapidamente, ao MNLA juntaram-se os grupos islamitas Ansar Dine (Defensores do Islão) e Movimento para a Unidade e Jihad [guerra santa] na África Ocidental (MUJAO), aliados da AQMI.
Estes grupos aproveitaram um golpe de Estado, a 22 de março em Bamako, para ocupar o norte do Mali. Depois disto, os islamitas afastaram o MNLA e começaram a realizar lapidações e mutilações, numa interpretação rigorosa da lei islâmica ("sharia").