Tribunal Penal Internacional pede mandados de detenção para Netanyahu e líderes do Hamas
O Tribunal Penal Internacional apelou à emissão de mandados de captura para o primeiro-ministro de Israel e para os líderes do Hamas, sob acusações de crimes de guerra e contra a humanidade. Benjamin Netanyahu é suspeito de causar a fome de civis como método de guerra e de causar morte e sofrimento intencionalmente.
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O procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, solicitou hoje mandados de detenção para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e para o líder da organização palestiniana Hamas, Yahya Sinwar. Na sequência de uma investigação em curso há vários meses, foram recolhidos indícios suficientes que permitem ao organismo internacional considerar que os dois atores são responsáveis por vários crimes de guerra e crimes contra a humanidade, nomeadamente na recente incursão na Faixa de Gaza, pode ler-se em comunicado.
Também visados pelo TPI, com sede em Haia, foram o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, o líder das Brigadas Al Qassem (o braço armado do Hamas), Mohammed Diab Ibrahim al-Masri, e o líder político do grupo rebelde palestiniano, Ismail Haniyeh.
O Estatuto de Roma, que instituiu o TPI, estabelece que o tribunal só pode julgar um acusado se este se sentar, presencialmente, no banco dos réus, sendo, por isso, a detenção uma condição prévia a qualquer julgamento. No entanto, o tribunal internacional não dispõe de uma instituição própria capaz de executar detenções, delegando essa responsabilidade nos Estados signatários do Estatuto de Roma (são 124) ou a países não signatários que possam, eventualmente, cooperar.
Netanyahu visado por "extermínio" em Gaza
Do lado israelita, Netanyahu - que não se deslocou ao estrangeiro desde os atentados do Hamas em outubro - e Gallant são suspeitos de utilizar a "fome de civis como método de guerra", de "causar intencionalmente grande sofrimento e ferimentos graves" nas vítimas, de cometer "homicídio voluntário" e de "direcionar intencionalmente ataques contra uma população civil". O TPI fala ainda em "extermínio", inclusivamente no contexto de mortes causadas por fome, e em "perseguição" ao povo palestiniano, configurando-os como crimes contra a humanidade.
"Os crimes contra a humanidade imputados foram cometidos no âmbito de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil palestiniana, em conformidade com a política do Estado de Israel. Estes crimes, na nossa avaliação, continuam até hoje", aponta o procurador Karim Khan, considerando que as provas recolhidas mostram que Israel "privou intencional e sistematicamente" a população civil de Gaza de bens indispensáveis à sobrevivência humana, através da "imposição de um cerco total" ao enclave. O bloqueio, adianta, foi acompanhado de ataques a civis que faziam fila para conseguir adquirir alimentos, bem como da obstrução à entrega de ajuda por parte das agências humanitárias e de ataques a trabalhadores humanitários.
O TPI entende que os crimes imputados aos governantes israelitas visavam eliminar o Hamas e assegurar o regresso dos reféns, mas também "punir coletivamente a população civil de Gaza, vista como uma ameaça a Israel". Os castigos coletivos "são graves, visíveis e amplamente conhecidos", incluindo "desnutrição, desidratação, sofrimento profundo e um número crescente de mortes entre a população palestiniana, incluindo bebés, crianças e mulheres", pode ler-se.
O comunicado ressalva que "Israel tem o direito de tomar medidas" para se defender, mas lembrou que esse direito não o isenta da obrigação de cumprir o direito internacional humanitário. "Independentemente de quaisquer objetivos militares que possam ter, os meios que Israel escolheu para os alcançar em Gaza são criminosos", acusou Karim Khan.
Hamas suspeito de violar reféns
Também suspeitos de crimes de guerra e contra a humanidade, os chefes do Hamas respondem por extermínio, homicídio, tomada de reféns, violação e violência sexual, tratamento cruel, ultrajes à dignidade pessoal e outros atos desumanos em contexto de cativeiro. Sinwar (líder do Hamas), Al-Masri (das brigadas armadas) e Haniyeh (da área política) "são criminalmente responsáveis pelo assassínio de centenas de civis israelitas" no ataque de 7 de outubro, e pela tomada de pelo menos 245 reféns.
"Os crimes contra a humanidade imputados fizeram parte de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil de Israel pelo Hamas e outros grupos armados", aponta o TPI, notando que alguns desses crimes continuam até hoje.
Os crimes que motivaram os mandados de detenção "foram cometidos no contexto de um conflito armado internacional entre Israel e a Palestina e de um conflito armado não internacional entre Israel e o Hamas que decorreu em paralelo". "Se não demonstrarmos a nossa vontade de aplicar a lei de forma equitativa, se esta for vista como sendo aplicada de forma seletiva, estaremos a criar as condições para o seu colapso", defende o TPI.
Israel cria comité para combater decisão "ultrajante"
O Governo israelita considerou "ultrajante" o pedido de mandado de detenção contra o primeiro-ministro e anunciou a criação de um comité especial no Ministério dos Negócios Estrangeiros para contrariar esta decisão. Numa nota divulgada na rede social X (ex-Twitter), o ministro da tutela, Israel Katz, diz que a decisão do TPI constitui um "ataque frontal sem limites" às vítimas de 7 de outubro e que visa "algemar as mãos de Israel e impedir o país de exercer o seu direito à autodefesa".
"Enquanto os assassinos e violadores do Hamas cometem crimes contra a humanidade, contra os nossos irmãos e irmãs, o procurador menciona, no mesmo fôlego, o primeiro-ministro e o ministro da Defesa de Israel ao lado dos monstros nazis do Hamas - uma vergonha histórica que será recordada para sempre", criticou Israel Katz, acrescentando que pretende falar com os homólogos "dos principais países do mundo para os exortar a oporem-se à decisão do procurador e a declararem que, mesmo que sejam emitidos mandados, não tencionam aplicá-los contra os dirigentes israelitas".
Mais de 35 mil mortos em Gaza
O conflito na Faixa de Gaza, em curso há vários anos, sofreu uma escalada, em outubro, na sequência do ataque do Hamas em solo israelita, que causou cerca de 1200 mortos e duas centenas de reféns, segundo as autoridades israelitas. Em resposta, Israel lançou uma ofensiva militar em grande escala, que provocou mais de 35 mil mortos, na maioria civis, de acordo com as autoridades locais, controladas pelo Hamas. Além das vítimas mortais, a ofensiva israelita está a provocar uma grave crise humanitária no enclave palestiniano, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica". É "o número mais elevado alguma vez registado" pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.