Cerimónia de anúncio de nova juíza para Supremo Tribunal terá sido evento supertransmissor. Senadores atingidos põem em dúvida votação no Congresso.
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A ironia mata, também politicamente: no debate de terça-feira, o 1.º de três com o democrata Joe Biden, Donald Trump gozou descaradamente com o seu concorrente. Disse isto perante os 73 milhões de americanos que estavam a ver: "Eu não uso máscaras como ele [Biden]. Sempre que alguém o vê, ele está de máscara! Pode estar a falar a 60 metros de distância que aparece com a maior máscara que eu já vi". Esta bravata, a alardear uma valentia irresponsável, custou-lhe a infeção: Trump está internado com covid há três dias.
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Se ainda não é claro em que dia foi infetado o presidente, quando é que teve os primeiros sintomas (terá sido na quarta-feira) ou quando é que soube realmente que testara positivo (provavelmente na quinta, já que o anunciou nessa noite, já madrugada de sexta), é altamente provável que quando realizou o desastroso debate já estivesse infetado.
Chris Wallace, moderador da Fox News várias vezes atropelado por Trump, confirmou anteontem que o presidente não fez teste à covid quando chegou ao debate, como estaria programado. "Chegou em cima da hora, já não deu tempo, não fez o teste", repetiu. Mas houve outro evento mais preocupante, fez ontem já oito dias, quando dezenas de pessoas se juntaram na Casa Branca sem máscaras e sem distanciamento social.
O supertransmissor
O final dessa tarde de outono foi adorável, escreve o "Washington Post". O jardim de rosas da Casa Branca lotou-se para anunciar Amy Barrett como substituta conservadora para a falecida juíza do Supremo Tribunal Ruth Bader Ginsburg e a cena foi jubilosa. Senadores republicanos, líderes conservadores e dezenas de grandes apoiantes e assessores do presidente deram cumprimentos de mão e abraços enquanto Trump se passeava com Amy. Ninguém usou máscara e as imagens, surreais, parecem do tempo pré-pandemia.
Terá sido nesse evento supertransmissor que os contágios se multiplicaram, não parando agora de aumentar o círculo de infeções à volta de Trump (ver acima). O calendário de nomeação da juíza Amy Barrett, que tem de ser confirmada no Senado e que os republicanos estão a acelerar, está já comprometido - há pelo menos três senadores, dois deles do evento "superspreader", que testaram positivo à covid.
Comício a atirar bonés
A agenda da semana passada de Trump, que continua atrás do democrata Biden nas sondagens para a eleição de 3 de novembro, foi também muito movimentada, com vários ajuntamentos.
O mais criticado é agora o comício de 30 de setembro, dia em que Trump já teria sintomas da doença e continuava sem usar máscara. Num hangar do aeroporto de Duluth, no estado de Minnesota, acotovelaram-se dezenas de apoiantes num espaço coberto e Trump entrou em palco a atirar bonés para o público, podendo com esse gesto insensato ter contribuído para espalhar a contaminação.
Perguntas e Respostas
Em caso de incapacidade ou morte de um presidente dos EUA, o que prevê a Constituição?
Woodrow Wilson, incapacitado por um AVC em 1919, foi presidente até 1921, deixando um vácuo. A prática posterior entregou aos vice-presidentes a tarefa de governar em caso de ausência do presidente. Ganhou forma legal em 1967, com a aprovação da 25.ª Emenda: cabe ao vice e a oito dos secretários (ministros) determinar que o presidente está incapacitado e o vice assume a liderança. Se nem este puder, é o líder da câmara dos representantes que fica no cargo. Atualmente, é a democrata Nancy Pelosi.
O presidente pode contestar a decisão?
Pode. Se a contestação não for aceite pelo Governo, segue para o Congresso, onde só pode ser contrariada por uma maioria de dois terços dos senadores e dos congressistas.
O que acontece à eleição presidencial se o candidato desistir, ficar incapaz ou morrer?
No caso dos republicanos, é a direção do partido que define quem o deve substituir.
É viável a um mês da eleição?
A maioria dos votos já foi enviada aos eleitores e muitos destes já votaram por correspondência, pelo que é impossível recolhê-los e alterar o nome de Trump. Havendo a ida às urnas, cabe aos eleitores do Colégio Eleitoral passar os votos em Trump para o eventual novo candidato. Se os eleitores individuais o permitirem.