Cada vez mais conformado com a derrota, o ainda presidente já estará a preparar as bases para um segundo mandato daqui a quatro anos. Especialistas ouvidos pelo JN acreditam que não haverá caos com protestos ou confrontos armados nas ruas. Mas é certo que a transição será turbulenta.
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Trezes dias após "a eleição mais segura da história da América" (Departamento de Segurança), oito dias depois de o democrata Joe Biden ser matematicamente proclamado 46.º presidente eleito dos EUA, Donald Trump, republicano e incumbente vencido, ainda não concedeu a derrota, ainda não felicitou democraticamente o contendor. Insistindo na tese espúria e sem provas de "fraude generalizada" e "roubo das eleições", agarra-se à possibilidade, cada vez mais descarnada, de virar remotamente o resultado nos tribunais.
E agora, quando faltam 66 dias para Trump ceder a cadeira presidencial a Biden, o que pode ainda acontecer? O JN ouviu três americanófilos viciados na atualidade e discutiu cenários numa escalada de gravidades que pode subir até às ruas acesas em protesto, luta armada e insurreição civil. O caos é altamente improvável, dizem, mas a turbulência, essa, vai persistir.
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No fim, ele vai sair
"Trump vai bloquear o que puder, vai resistir à transição institucional, vai continuar a protestar com o altíssimo megafone do Twitter - ele precisa de manter as suas bases empolgadas -, mas no final vai ter de sair e sairá", diz José Gomes André.
"É um péssimo perdedor e está ainda na fase raivosa da negação, mas a eleição foi exemplar, sem violências, sem atrasos, sem ilegalidades, com pessoas e instituições à altura da dignidade da democracia, apesar das tentativas de sabotagem presidencial. Não terá outro remédio que não seja ceder o lugar", junta Patrick Siegler-Lathrop.
"Não concedeu nem vai conceder, mas isso é irrelevante, a sua manipulação verbal é inconsequente, tem zero casos válidos capazes de virar a eleição em tribunal, a sua derrota é clara, a transição vai acontecer", diz por seu lado José Tribolet, que acrescenta: "Mas Trump, que possui uma grande capacidade de mobilização e uma habilidade única em comandar a atenção pública, irá manter este estado psicótico também para animar os seus prosélitos, que querem vê-lo novamente a correr para a presidência em 2024".
Caos lesaria o seu futuro
A vitória de Biden, que regista mais cinco milhões de votos do que Trump, não foi a enxurrada sonhada pelos democratas, mas a conquista é clara: 306 contra 232 lugares no Colégio Eleitoral, resultado simétrico ao triunfo de Trump sobre Hillary Clinton em 2016. Mas o expoente de Biden maximizou: juntou mais 12 milhões de votos do que a democrata anterior.
A evidência de uma vitória folgada salvará a América de cair no caos; não devemos, portanto, esperar protestos armados e confrontos físicos em ruas a arder. "O cenário extremado do chamamento da rua e a calamidade do conflito armado são de excluir; já passaram duas semanas e não houve rebelião, é altamente improvável que vá acontecer", prevê José Gomes André.
"A democracia americana tem saúde e devemos apontar também o bom exemplo que veio de cima, no caso de Joe Biden e da sua vice Kamala Harris, que são serenos, calmos, são democratas, têm bom senso", diz José Tribolet, que sublinha: "Lançar agora o caos, propiciar a guerrilha não é viável para Trump, era um tiro nos seus sonhos e no futuro".
Vingança vira para 2024
Os três especialistas concordam e Siegler-Lathrop resume: "Trump, que é vingativo e tem um sentido extremo de autopreservação, é imprevisível, sabemos, mas é também um animal político de instinto excecional e quererá manter acesa a esperança dos 72 milhões de americanos que votaram nele e são um valioso capital político".
"O seu desejo de correr em 2024 é evidente, mas dois fatores pesam contra ele", diz Gomes André. "Tem problemas financeiros sérios e dívidas de mais de 400 milhões e pode ter problemas jurídicos graves assim que deixar a presidência e for um cidadão comum".
"Trump não vai desaparecer da cena política e vai alimentar esperanças de vingança até 2024", explica José Tribolet. E apresenta-nos um cenário inédito, "mas altamente provável". Diz que não nos veremos livres dele tão cedo: "Trump pode demitir-se, Mike Pence sobe temporariamente a presidente e emite-lhe perdões presidenciais que o livram dos tribunais. Além disso, vai lançar um canal de TV próprio, ou um poderoso grupo de média digital, que o mantenha ativo e politicamente vivo até 2024".
Cinco cenários
1.º Normalidade na transição presidencial
Com um vencedor (Biden) e um vencido (Trump) evidentes, o Gabinete de Transição Presidencial já devia estar a seguir o curso normal. Mas não está.
2.º Trump bloqueia e dificulta a transição
É o cenário em que estamos hoje: Trump instrui funcionários federais para não contactarem o staff do vencedor, atravancando a transição regular.
3.º Trump incita bases e há protestos na rua
É uma hipótese: arreliado com o resultado, Trump instiga os apoiantes a saírem à rua, elevando a escalada do protesto que pode chegar a confronto físico.
4.º Confrontos armados entre as partes
É o pior cenário: Esquerda e Direita lançam apoiantes para as ruas, Antifa de um lado, Proud Boys do outro, e chega-se à insurreição civil. Com armas.
5.º Trump anuncia candidatura para 2024
Com a vingança em mente, Trump, que pode ainda concorrer a um 2.º mandato de quatro anos, anuncia que concorre em 2024. A possibilidade é forte.