Bloqueio a Donald Trump visto como "atentado à liberdade de expressão". Especialistas dizem que redes sociais atuaram tarde demais.
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Foram anos de difusão de mentiras comprovadas, teorias da conspiração e discursos inflamados aos devotos seguidores. Mas o castigo por violar as regras chegou, quase ao mesmo tempo que chegou o fim do mandato presidencial. Donald Trump foi silenciado por várias redes sociais, como Facebook e YouTube, e banido permanentemente da sua preferida, o Twitter, depois de ter incitado os seus apoiantes a invadir o Capitólio, em Washington, a 6 deste mês, para interromper a cerimónia que iria confirmar a vitória do presidente eleito, Joe Biden.
No entanto, a decisão daquelas plataformas acarreta um problema adicional: o de saber se não se estará a colocar em causa a liberdade de expressão e se as democracias não estão a correr o risco de se verem sujeitas à ditadura dos algoritmos.
Ainda assim, a decisão daquelas redes sociais, que deram palco ao republicano durante todo o mandato, poderá ter chegado tarde demais. A semente está plantada e o "Trumpismo" já nageva sem líder. Por outro lado, se todas seguirem o mesmo caminho e fecharem a porta aos movimentos subversivos, podemos estar a assistir a um momento de mudança, dizem os especialistas ouvidos pelo JN.
Depois da decisão, centenas no Twitter trocaram a própria foto de perfil para colocar a cara de Trump , incluindo figuras como Eduardo Bolsonaro, filho do presidente do Brasil, Jair, criando uma onda de apoio ao presidente cessante norte-americano, que, dizem os mais conservadores, foi censurado.
"Do ponto de vista político, as redes sociais funcionam como altifalantes e chegam a determinadas franjas da sociedade com informação que não é verificada nem mediada", afirma Inês Amaral, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.
Silêncio das redes
Ainda que Trump tenha perdido o palanco virtual, as ideias já estão enraízadas em muitos grupos e se, agora, as empresas têm esta preocupação de mediar a informação, "durante muito tempo, potenciaram as polarizações". E a verdade, acrescenta Amaral, é que as "extremas e os populismos têm aproveitado muito bem" estes espaços.
Mesmo assim, a punição do Twitter, que já vinha marcando publicações que violam regras de utilização da plataforma e que já expulsara tantas outras figuras, chega tarde e poderá ser problemática, insiste a professora.
Apesar de ser uma espécie de controlo de danos, a decisão poderá trazer mais engulhos porque "torna o movimento invisível. Vai parecer que estão a tentar silenciá-lo. Este corte da liberdade de expressão vai contribuir para as narrativas do medo publicitadas pelos populistas."
Todavia, o argumento da liberdade de expressão não tem sido só apregoado pelos apoiantes de Trump. Vários líderes europeus consideraram a decisão "problemática" e um "atentado".
É o caso da chanceler alemã, Angela Merkel, que prontamente afirmou que pode-se "interferir na liberdade de expressão, mas segundo os limites definidos pelo legislador e não através da decisão de uma empresa".
Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo classificou a decisão como uma "explosão nuclear", acrescentando que "foi desferido um golpe nos valores democráticos defendidos pela sociedade ocidental".
O comissário europeu Thierry Breton exprimiu "perplexidade" com a decisão, "sem controlo legítimo e democrático".
Mas as coisas não acontecem realmente assim, advoga Miguel Crespo, especialista do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa em comunicação digital.
O Twitter foi fundamental e decisivo para Trump, "pois ele basicamente governou pelo Twitter e não por decretos ou comunicações oficiais". Mesmo assim, "as plataformas não têm obrigação legal de aceitar todos os cidadãos. Não são um serviço público regulamentado", realça.
Termos e condições
Para aceder àquelas plataformas, é necessário clicar no "Concordo nos termos e serviços". Ao fazê-lo, "aceitamos que o serviço nos pode ser barrado a qualquer momento se não cumprirmos as regras por elas impostas". E Trump até foi favorecido porque pôde, durante anos, espalhar mentiras.
"Trump ultrapassou todos os limites de convivência social e de decência ainda antes de se ter tornado presidente. Se fosse um cidadão comum, teria sido banido das redes há muito tempo", insiste Crespo, que acredita que, com o "megafone desligado", será uma questão de tempo até cair no esquecimento".