Quase um terço dos europeus vota em partidos populistas, de extrema-direita ou de extrema-esquerda, com um amplo apoio à política antissistema a surgir em todo o continente, naquilo que constitui um desafio cada vez maior para os blocos centrais.
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A conclusão é de uma análise realizada por mais de 100 especialistas em Ciência Política em 31 países, que concluiu que, nas eleições nacionais do ano passado, 32% dos eleitores europeus (um número recorde) votaram em alternativas aos partidos tradicionais, em comparação com 20% no início da década de 2000 e 12% no início da década de 1990.
A investigação, liderada por Matthijs Rooduijn, da Universidade de Amesterdão, e divulgada na plataforma online "The PopuList", em parceria com o jornal britânico "The Guardian", também apurou que cerca de metade dos eleitores antissistema apoia partidos de extrema-direita, sendo esta a percentagem de votos que mais rapidamente está a aumentar.
“Há flutuação, mas a tendência subjacente é que os números continuem a crescer. Os partidos tradicionais estão a perder votos, os partidos antissistema estão a ganhar. É importante, porque muitos estudos mostram agora que, quando os populistas asseguram o poder, ou têm influência sobre o poder, a qualidade da democracia constitucional diminui.”
Num sinal de como a ascensão da "extrema-direita nacionalista e autoritária" deslocou a política da Europa para a direita, de forma generalizada, os investigadores consideraram classificar vários dos partidos de centro-direita mais conhecidos do continente como extrema-direita, mas deixaram a cair a hipótese. “Conversámos muito sobre a reclassificação dos conservadores do Reino Unido, do VVD de Mark Rutte nos Países Baixos, dos Les Républicains em França e do ÖVP na Áustria. No final, não o fizemos porque o nacionalismo não era o seu foco principal", explicou o investigador Matthijs Rooduijn, ressalvando que essa reclassificação poderá acontecer no futuro.
Populismo em Portugal vem da extrema-direita
A "PopuList", lançada há cinco anos, oferece a académicos e jornalistas uma visão geral dos partidos populistas e partidos de extrema-direita e extrema-esquerda na Europa de 1989 a 2022. Este ano, identifica 234 partidos antissistema em todo o continente, incluindo 165 populistas, e classifica 61 partidos como de extrema-esquerda e 112 como de extrema-direita. Neste último grupo, incluem-se o Fratelli d'Italia (partido da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni), o Rassemblement National (a que pertence a francesa Marine Le Pen) e o Reform UK (fundado pelo britânico Nigel Farage), exemplos de partidos de extrema-direita que cresceram nos últimos anos.
Quanto ao cenário político de Portugal, de acordo com a tabela divulgada pelos autores do estudo, a investigação teve em conta três partidos antissistema - o Chega, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português -, considerando o primeiro como sendo de extrema-direita e os dois últimos como extrema-esquerda. No entanto, apenas o partido liderado por André Ventura foi rotulado como populista.
Os autores da análise entendem que o populismo divide a sociedade em dois grupos homogéneos e opostos, um "povo puro" contra "uma elite corrupta", e argumenta que toda a política deve ser uma expressão da “vontade do povo”. Os apoiantes dos partidos considerados populistas consideram que estes priveligiam o cidadão comum em detrimento das elites, dos interesses instalados e de um sistema estabelecido, enquanto os críticos dizem que os populistas no poder atentam frequentemente contra as regras da democracia, restringindo, por um lado os direitos das minorias, e minando, por outro, o exercício independente do poder judicial e da comunicação social.
“Para os populistas, tudo o que se interpõe entre a vontade do povo e a elaboração de políticas é mau. Isso inclui todos os freios e contrapesos vitais – uma imprensa livre, tribunais independentes, proteções para as minorias –, que são uma parte essencial de uma democracia constitucional", disse Rooduijn ao "The Guardian".