A oposição e o povo venezuelano reclamam a vitória de Edmundo González Urrutia, perseguido pelo governo de Nicolás Maduro e em risco de ser preso. Entre os resultados contestados e a repressão crescente, a única certeza na Venezuela é o medo.
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O país sul-americano está paralisado. A oposição não reconhece a vitória de Nicolás Maduro e o regime insiste em não divulgar os resultados das eleições presidenciais na íntegra para escrutínio público, tendo recorrido a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para empossar o governo chavista.
"O regime considera a questão eleitoral encerrada e está já a preparar eleições para as autoridades regionais para o próximo ano. Para eles o debate acabou", contou ao JN o jornalista venezuelano Elides Rojas. Não existem investimentos internos ou estrangeiros no país neste momento. “O que existe é muito medo”, contrapôs.
Na quarta-feira, um mês após as eleições presidenciais terem mergulhado a Venezuela num clima de violência e contestação, o povo voltou a sair à rua em peso contra mais seis anos de governo de Nicolás Maduro. Em resposta ao protesto convocado pela líder opositora María Corina Machado, em Caracas, também os apoiantes do regime marcharam em celebração. Maduro chamou-lhe um dia de vitória e paz contra "as correntes fascistas".
Elides Rojas rejeita uma polarização tão vincada nas ruas. "Toda a gente sabe que houve fraude. Maduro tem o seu povo cativo e funcionários públicos", argumentou, acrescentando que os apoiantes do governo já não são a maioria.
Alejandro Motta concorda: "Está claro que o governo não ganhou as eleições, que foi uma fraude e que só tem 25 a 30% de votos, segundo as atas da oposição publicadas na Internet. Isto é de conhecimento público." O diretor da consultora venezuelana Thinko Consulting, especializada em análise da opinião pública, acusou o governo de se escudar com a corrupção das instituições, nomeadamente o STJ e Exército.
Segundo Alejandro Motta, as manifestações organizadas pela oposição decorrem com uma cadência quase diária, o que lhe parece “inteligente”, e com a participação arriscada dos líderes da oposição.
Já o jornalista descreveu que a agitação social está "controlada" por repressões esporádicas. "O medo contém a agitação social", partilhou Elides Rojas. Desde as eleições, foram detidas cerca de 2400 pessoas, acusadas de terrorismo, e outras 27 perderam a vida em protestos. Entre os detidos, quase 200 são menores de idade. "Implica uma violação dos direitos humanos e de todos os tratados e acordos internacionais", apontou Alejandro Motta.
O prolongamento desta instabilidade política também não desarmou a diáspora venezuelana, que sucessivamente saiu às ruas para pressionar a saída de Maduro ao longo do último mês. Os quase oito milhões de emigrantes representam mais de um quarto da população da Venezuela — e grande parte tem usado a sua voz a favor da democracia no país.
O governo continua a levar a cabo a sua perseguição direta a líderes políticos da oposição. Teme-se que a repressão só piore agora que Maduro nomeou Diosdado Cabello, um líder da fação mais severa do partido, como ministro do Interior, com supervisão das forças policiais. Cabello prometeu não mostrar piedade contra os opositores. O candidato Edmundo González Urrutia poderá ser o próximo a ser detido.
Perseguição a Urrutia
Na quinta-feira, o Ministério Público (MP) da Venezuela intimou, pela terceira vez, o candidato da oposição a comparecer numa audiência para prestar declarações no âmbito de uma investigação criminal. Edmundo González Urrutia ignorou as duas primeiras — a 26 e 27 de agosto — e, à terceira ausência, o MP pode, de acordo com a lei, emitir um mandado de detenção com base num perigo de fuga e obstrução da justiça.
"Deve comparecer (...) no dia 30 de agosto de 2024, pelas 10 horas [15 horas em Portugal], a fim de prestar depoimento relativamente aos factos investigados, no âmbito da publicação e manutenção da página web 'resultadosconvzla.com', pela presumível prática dos crimes de usurpação de funções, falsificação de documentos públicos, instigação à desobediência à lei, crimes informáticos, associação para a prática de crime e conspiração", refere a nova intimação publicada nas redes sociais.
Elides Rojas não acredita que o candidato fuja do país nem, muito menos, que comparecesse na audiência. "Vão colocá-lo na prisão", antecipou. González Urrutia é acusado de quatro crimes, juntamente com a líder da oposição, María Corina Machado. Os dois dirigentes vivem na semi-clandestinidade desde o início do mês, quando o MP abriu um inquérito por "usurpação de funções, difusão de informações falsas, incitamento à desobediência à lei, incitamento à insurreição e associação criminosa".
Numa publicação no Instagram, a Plataforma Unitária Democrática (PUD) criticou a perseguição política a Edmundo González Urrutia por causa da divulgação de cópias das atas de escrutínio das eleições presidenciais, obtidas legalmente pelas testemunhas do partido nas assembleias de voto.
"Digitalizar e salvaguardar as atas de escrutínio que nos dizem respeito por direito não é crime. Acresce que nada impede que a referida ata, após o primeiro anúncio de resultados pelo CNE [Conselho Nacional Eleitoral], seja publicada para conhecimento e verificação dos cidadãos, tarefa que não coube a Edmundo González Urrutia e que, em todo o caso, não representa qualquer crime", defendeu a aliança opositora.
Urrutia também recorreu à rede social, na segunda-feira, para justificar a sua recusa em comparecer nas audiências. O candidato disse estar a ser “pré-acusado de crimes que não foram cometidos” e criticou a omissão das condições em que seria ouvido pelo Ministério Público.
“O procurador-geral da República tem-se comportado repetidamente como um acusador político. Condena por antecipação e agora insiste numa convocação sem garantias de independência e de um processo justo", atirou, apelando novamente a uma verificação internacional independente das atas, “que não pode ser substituída por uma sentença [do Supremo Tribunal de Justiça] ditada à margem da Constituição".
Impasse político
O candidato da oposição participou por videoconferência na reunião de ministros dos Negócios Estrangeiro da União Europeia (UE) na quinta-feira, onde denunciou cada vez mais "prisões arbitrárias" e a "repressão, que está a aumentar", segundo o ministro Paulo Rangel.
Após a reunião, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, insistiu que o bloco comunitário não reconhece a "legitimidade democrática" de Nicolás Maduro enquanto presidente da Venezuela. Mas descartou a imposição de novas sanções.
O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, ripostou, chamando Borrell de “sem-vergonha” e acusando-o de "ignorar as instituições democráticas" do país — uma alusão à decisão do STJ, controlado pelo governo chavista.
Nicolás Maduro autoproclamou-se presidente da Venezuela, no seu terceiro mandato, apesar de as sondagens darem a vitória, por uma grande margem, ao candidato da oposição nas eleições presidenciais de 28 de julho.
No dia 22 de agosto, o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela declarou Maduro, de 61 anos, o vencedor. Esta validação foi rejeitada por várias nações (incluindo algumas com ideologias políticas próximas do chavismo), que exigem a divulgação dos resultados eleitorais pormenorizados. O regime assegura que mais de 60 países "deram as boas-vindas à vitória" de Maduro, entre as quais se destacam a China, o Irão e a Rússia, bem como Cuba e a Nicarágua.
O sucessor de Hugo Chavéz foi reeleito presidente da Venezuela com 52% dos votos. No entanto, o Conselho Nacional Eleitoral continua a não divulgar as atas das assembleias de voto, alegando ter sofrido um ataque informático — uma justificação considerada fogo de vista pela oposição e várias entidades internacionais, para encobrir a verdadeira contagem.
A oposição proclama a vitória de Edmundo González Urrutia com 70% dos votos e continua a acusar o regime de fraude eleitoral.