Um raro aperto de mão no debate em que Kamala acusou Trump de não aceitar que "foi demitido"
No mais esperado debate do ano nos Estados Unidos, a candidata democrata Kamala Harris acusou Donald Trump de ter incitado à invasão do Capitólio, em 2021, por não aceitar que "foi demitido". O candidato republicano insistiu que imigrantes ilegais estão a "comer animais de estimação". Mentiu 33 vezes.
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O debate histórico de terça-feira é o primeiro entre Donald Trump e Kamala Harris e começou com um raro aperto de mão, iniciado pela vice-presidente, que se apresentou pelo nome, num lembrete de que esta é a primeira vez que os dois políticos se encontram pessoalmente. É também o primeiro aperto de mão num debate presidencial desde 2016. A campanha da vice-presidente e candidata democrata já propôs a realização de um segundo debate presidencial. Esta foi também a noite em que Kamala recebeu o apoio público da influente cantora Taylor Swift.
"Demitido por 81 milhões de pessoas"
Kamala Harris denunciou a violência do ataque ao Capitólio em 2021, acusando Donald Trump de ter incitado a multidão à invasão, e apelou a que o país não regresse ao passado.
"Donald Trump foi demitido por 81 milhões de pessoas e está com dificuldade em processar isso", afirmou Kamala Harris no debate presidencial de terça-feira (esta quarta-feira de madrugada em portugal continental) entre ambos, depois de o republicano se ter escusado a admitir que perdeu as eleições em 2020.
"Eu estava lá e nesse dia [a 6 de janeiro de 2021 no Capitólio] o presidente incitou uma multidão violenta a atacar e profanar o Capitólio da nossa nação", afirmou Harris, lembrando que centenas de agentes foram atacados e alguns morreram.
A democrata ligou o assalto em Washington D.C. a outros momentos, dos motins de Charlottesville às milícias de extrema-direita Proud Boys, afirmando que não se tratou de uma situação isolada.
Harris, virada para Trump, disse-lhe que os líderes mundiais se riem dele e consideravam que ele era uma desgraça. "Você perdeu, de facto, aquela eleição", afirmou. "Não temos de voltar para trás", disse a democrata. "Está na altura de seguir em frente".
Aborto
Uma visão de futuro foi algo que repetiu várias vezes, abarcando alguns dos temas domésticos mais importantes para o eleitorado, como a economia e o aborto.
A questão dos direitos reprodutivos foi discutida de forma acesa, com Harris a falar de casos dramáticos de mulheres a quem foram negados cuidados médicos nas urgências devido à revogação do direito federal ao aborto.
"Donald Trump vai assinar uma proibição nacional do aborto", disse Harris. "Eu apoio a restauração das proteções de Roe v. Wade", garantiu, referindo-se à lei que foi revogada pela maioria conservadora do Supremo Tribunal com três juízes nomeados por Trump.
O magnata repetiu falsamente que os democratas querem permitir abortos "tardios" no nono mês de gravidez - uma situação que apenas seria efetuada em caso de emergência médica extrema.
Disse ainda que os democratas apoiam o aborto "após o nascimento" e a "execução" de bebés, uma linha de ataque que Trump tem usado repetidamente para retratar os democratas como radicais em questões de direitos reprodutivos.
Face às declarações do ex-presidente, a moderadora da ABC News Linsey Davis fez uma verificação de factos em tempo real, frisando que não há estados onde seja legal matar um bebé após o nascimento.
Imigração
Outro momento importante do debate debruçou-se sobre a crise migratória nas fronteiras. Kamala acusou Trump de ter forçado os congressistas republicanos a abandonarem uma proposta bipartidária que iria reforçar a segurança e facilitar a perseguição de gangues internacionais.
"Donald Trump pegou no telefone e disse-lhes para matarem a proposta, porque prefere fazer uma campanha com base no problema em vez de o resolver", apontou.
Já o ex-presidente repetiu no debate as alegações feitas em círculos republicanos de que imigrantes ilegais estão a "comer animais de estimação" de cidadãos norte-americanos.
"Em Springfield, eles estão a comer cães. As pessoas que chegam estão a comer os gatos. Eles estão a comer os animais de estimação das pessoas que vivem lá", acusou o ex-chefe de Estado, antes de ser recordado pelo moderador do debate de que essas alegações foram oficialmente desmentidas.
Uma autoridade do Condado de Clark, no Ohio, citada pela imprensa norte-americana, garantiu que "não há absolutamente nenhuma prova de que isso esteja a acontecer".
Ao ouvir as alegações de Trump, a candidata democrata, a vice-presidente riu-se e classificou Trump de "extremo".
O republicano afirmou ainda que os Estados Unidos se tornarão uma "Venezuela em esteróides" se a sua rival democrata se tornar presidente. E aproveitou ainda para, mais uma vez, afirmar sem provas que muitos dos migrantes que cruzam a fronteira sul vêm de países que estão a esvaziar os seus asilos e instituições mentais.
Elogios a Hannibal Lecter
Harris aproveitou este segmento para enquadrar Trump como alguém errático e com ideias estranhas. Convidou o público a assistir a um comício do candidato e a vê-lo elogiar Hannibal Lecter, um presidiário homicida do filme "Silêncio dos Inocentes", com as pessoas a abandonarem ao fim de algum tempo por estarem completamente aborrecidas.
"Não vão é ouvi-lo falar de vocês", afirmou, rindo-se em reação às tiradas do oponente e lembrando que recebeu o apoio de "mais de 200 republicanos".
Harris também falou da condenação criminal de Trump e os outros problemas legais que enfrenta, num cenário em que o Supremo Tribunal essencialmente lhe deu imunidade para fazer o que quiser num hipotético segundo mandato.
No que toca à economia, Trump classificou a sua adversária democrata de "marxista" e acusou-a de não ter planos económicos próprios, copiando políticas do atual presidente, Joe Biden. Rejeitou ainda qualquer ligação ao Projeto 2025, um polémico programa governamental desenvolvido por grupos ultraconservadores.
Trump "admira ditadores"
A candidata democrata acusou Trump de ser fraco em política externa e facilmente manipulado por líderes autoritários, "com lisonja e favores". "É bem sabido que Donald Trump é fraco e está equivocado em segurança nacional e política externa", atirou Kamala Harris, dizendo que o oponente "admira ditadores" e quer ele próprio ser um.
"Se Donald Trump fosse presidente, Putin estaria sentado em Kiev neste momento", atirou Harris, argumentando que o plano do republicano para resolver a invasão da Ucrânia é ceder o país à Rússia.
A democrata também citou declarações passadas do ex-presidente sobre a invasão da Ucrânia ser um ato "brilhante" de Vladimir Putin e mencionou as cartas trocadas com o ditador norte-coreano Kim Jong-un. "Eles [ditadores] podem manipulá-lo com lisonja e favores", disse, afirmando que os líderes militares chamam Trump de "desgraça".
Sobre o conflito em Gaza, Harris disse que será "sempre" favorável ao direito de Israel a defender-se, mas que a guerra com o Hamas na Faixa de Gaza "tem de acabar imediatamente" e que a solução para o conflito é a de dois estados.
Trump mentiu 33 vezes
Segundo a verificação da CNN, Donald Trump mentiu 33 vezes e Kamala Harris fez afirmações falsas uma vez.
Sediado pela rede ABC News, o debate decorreu no National Constitution Center, em Filadélfia, e foi regido pelas mesmas regras que foram ditadas para o histórico debate de junho entre Trump e o atual Presidente e ex-candidato democrata, Joe Biden, que acabou por desistir da corrida após um fraco desempenho nesse confronto.
Os jornalistas da ABC News David Muir e Linsey Davis moderaram o debate - o único agendado até ao momento entre Donald Trump e Kamala Harris, pelo que poderá ser a primeira e única vez que os eleitores verão os dois políticos num frente-a-frente antes da eleição geral.