Os pilotos não apreciam a designação, mas ela existe: terra de ninguém. É o território aéreo onde é mais difícil, senão mesmo impossível, estabelecer comunicação com a torre de controlo. Sem equipamento satélite a tarefa é ainda mais árdua.
Corpo do artigo
Qualquer que seja o sistema de comunicação disponível no Airbus A330 da Air France que descolou, na noite de domingo, do Rio de Janeiro com destino a Paris, e que desapareceu dos radares quando sobrevoava o Atlântico, ele não foi utilizado - ou não foi, pelo menos, eficaz. "Ou pode não ter havido tempo para o utilizar", afirma, ao JN, o ex-comandante da TAP Sousa Monteiro. "Nos aviões mais recentes, a comunicação é automática, sendo possível, em caso de avaria, e sem interferência do piloto, transmitir essa informação para a casa-mãe. Ali deve ter acontecido tudo muito rápido e a preocupação do piloto há-de ter sido a de segurar o avião".
Admitindo que deveria haver mais cobertura de radar - por exemplo, na rota Nova Iorque-Japão o voo que atravessa o Pacífico, passa perto do Pólo Norte, no Alasca e na Sibéria, onde não há a comunicação -, o ex-comandante sublinha que "a segurança é a mesma. Quem está no chão não pode segurar o avião. A única diferença do sistema de comunicação por via satélite - que ainda não existe no Brasil, mas que mais cedo ou mais tarde vai ser generalizada - é facilitar a localização do avião". Parecendo pouco, representa muito, se considerarmos que ontem, mais de 48 horas após o acidente, ainda não tinham sido identificados destroços do aparelho [ver texto ao lado].
No Oceano Atlântico, onde o A330 desapareceu a cerca de 1000 quilómetros a nordeste da cidade de Natal, próximo da ilha de Fernando Noronha, também nem sempre é fácil estabelecer ligação. João Serra Pereira, piloto da TAP que no mesmo domingo realizou o mesmo trajecto, tentou e não conseguiu. "Aquela zona do Atlântico estava muito difícil em termos de comunicação. Eu não consegui. E sei que houve outros pilotos que também não conseguiram". Nessas situações, a alternativa é "tentar falar com outros aviões ou com outra torre de controlo - no caso, Dakar, por exemplo -, e ir fazendo o 'report', o ponto da situação: estamos no ponto X, à hora X, a nível de voo X, e atingiremos o próximo ponto à hora Y". Isto permite que, caso a comunicação falhe, "a torre de controlo possa fazer a separação de aviões que estejam a voar ao mesmo nível".
Serra Pereira, que elege África como o território com "comunicações mais deficientes", diz não ter apanhado "meteorologia severa" durante o voo de domingo, mas ressalva que optou "por uma saída mais à direita" da que foi utilizada pelo piloto da Air France.
