Uso de símbolos religiosos por funcionários públicos pode ser proibido, decide tribunal da UE
O Tribunal de Justiça da União Europeia (UE) decidiu, esta terça-feira, que os Governos podem banir o uso de símbolos religiosos por funcionários de órgãos públicos. Apesar de justificar a decisão na ideia de que isto permitiria "um ambiente administrativo totalmente neutro", organizações de direitos humanos protestam.
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Banir símbolos de convicções políticas, filosóficas ou religiosas, como o véu islâmico, em ambientes de trabalho de uma entidade pública "com o objetivo de organizar um ambiente administrativo totalmente neutro", segundo o advogado-geral Anthony Collins, "não constitui uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções". O irlandês, no documento publicado ontem, salienta que isso ocorre nos casos que a medida for "aplicada de forma geral e indiferenciada".
Collins admite ainda que "uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou em convicções" pode acontecer devido aos regulamentos de trabalho – que devem responder "a uma verdadeira necessidade desta entidade". A proibição pode valer mesmo para funcionários que não tenham contacto com o público.
A decisão surge no âmbito de um processo movido por uma funcionária do município de Ans, na Bélgica. Após informar ao empregador que começaria usar o lenço islâmico, em fevereiro de 2021, a autarquia alterou regulamentos, proibindo "apresentar qualquer sinal ostensivo suscetível de revelar a sua filiação ideológica ou filosófica ou as suas convicções políticas ou religiosas".
A trabalhadora entrou com uma queixa, com a acusação de que a sua liberdade religiosa estava a ser restringida. O Tribunal do Trabalho de Liège, que concedeu uma autorização temporária para a muçulmana utilizar o véu quando não estivesse em contacto com os utilizadores do serviço público, interpelou o tribunal da UE.
O tribunal de Liège assinalou ainda que, mesmo proibidos, diversos “sinais discretos de convicção eram tolerados”. A conclusão surgiu após a parte queixosa apresentar fotografias de símbolos como brincos com uma cruz ou a realização de festas de Natal, segundo o advogado da funcionária, ouvido pelo jornal britânico "The Guardian".
Neutralidade para quem?
A Femyso, rede que engloba mais de 30 organizações não governamentais (ONG) da juventude muçulmana, considera que a decisão potencialmente infringe a liberdade de religião e expressão. “Apesar de serem disfarçados de forma neutra, as proibições de símbolos religiosos invariavelmente visam o lenço de cabeça”, denunciou a organização, citada pelo mesmo diário inglês.
Em 2021, quando o mesmo tribunal europeu permitiu a proibição de vestuário religioso por empregadores do setor privado, a Human Rights Watch (HRW) alertou que, "para quaisquer mulheres forçadas a usar lenço ou véu, tais proibições não abordam as raízes da opressão, mas correm o risco, na prática, de reduzir ainda mais o seu envolvimento com a sociedade, aumentando o seu isolamento". "As mulheres muçulmanas não deveriam ter de escolher entre a sua fé e os seus empregos", completou a nota da HRW.
Este ano, o Governo francês proibiu que os estudantes usem a abaya, uma espécie de vestido islâmico, nas escolas. A medida, em nome da laicidade, resultou na expulsão de quase 300 alunas muçulmanas nos primeiros dias do ano letivo, em setembro. "Dizem que este é um país de liberdade, mas não é permitido fazer coisas que fazem parte da sua cultura e religião", disse Sokhna Maimouna Sow, muçulmana de origem senegalesa, em declarações à BBC.