Homens e mulheres comuns foram os primeiros a ajudar as vítimas do descarrilamento em Santiago de Compostela, ainda antes de chegarem os meios de socorro. Levaram toalhas e puxaram pessoas para a vida, sofreram entre os 80 mortos, choraram com os cerca de 150 sobrevientes. "Vi de tudo, vi de tudo", disse ao JN um desses heróis anónimos.
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"Vi crianças a chorar pelos pais. Eram crianças...", conta Jesus Zás um dos primeiros a chegar ao local do descarrilamento de um comboio, em Angrois, à entrada de Santiago de Compostela, quinta-feira ao início da noite. Um "terramoto" que arrancou as pessoas da vila ao baile, que enchia de festa as ruas, feriado na Galiza, dia do Apóstolo, 25 de julho.
"Deitei-me às cinco da manhã, mas a minha cabeça não parou de trabalhar", conta Jesus Zás. As imagens do horror, espalhado na linha férrea que divide a terra ao meio, dos sobreviventes que ajudou a resgatar, dos mortos que deixou para trás. "Fomos buscar cordas e cobertores para ajudar a puxar as pessoas cá para cima"..
As rugas do rosto de Jusús sulcam-se no sofrimento da noite que lhe marcará o resto da vida. Como Jesús, muitos outros homens e mulheres de Angrois bateram-se por ajudar a salvar as vidas de vários dos cerca de 150 feridos do descarrilamento em Santiago de Compostela.
Cansados, esta quinta-feira, os bravos da vila mal quiseram recordar. Perdidos no meio da multidão, que em dia feriado tomou as bermas da linha férrea para assistir aos trabalhos de remoção das carruagens do comboio, preferiam o silêncio.
Esta quinta-feira, Santiago de Compostela acordou aturdida, pesada, olhos ao alto presos nos ecrãs de televisão que passavam e repassavam imagens do ferro amontoado que roubou pelo menos 80 vidas.
Dezenas de jornalistas, de vários pontos do Mundo, do Japão longínquo aos vizinhos de Portugal e Espanha, foram a Angrois para dar notícia da tragédia. Na vila, eram inúmeros carros de exterior e toda a parafernália associada a televisões e rádios.
Ao meio-dia, o país ,juntou-se. Um minuto de silêncio para lembrar os mortos de Angrois. Na estação de caminho-de-ferro da Santiago de Compostela cumpriram-se dois minutos de luto. Baixaram-se os olhos, relembraram-se as imagens que em compulsão invadiram a vida dos galegos.
Julian Regos, 18 anos, falava com o peso da impotência pela tragédia maior que ele. Os mortos, o sofrimento das famílias, os feridos, e ele sem nada pode fazer. A desfazer-se numa compaixão entranhada nas veias.
"Viemos dar sangue, mas já não é preciso", lamenta, por só lhe quedar aquele sentimento de impotência, louvando os que reagiram antes de sequer de se deixarem prender pela amargura do sofrimento. "Vi de tudo, vi tudo", a Jesus já não há quem resgate da amargura que lhe invadiu os dias.