Vídeos falsos de R. Kelly e do Papa espalham culto do chefe da junta do Burkina Faso
Se acreditarmos nos vídeos virais, R. Kelly e o Papa Leão XIV concordam: o chefe da junta do Burkina Faso, o Capitão Ibrahim Traoré, é um líder fantástico. As imagens são propaganda gerada por inteligência artificial (IA), numa vasta campanha de desinformação que espalha o "culto da personalidade" daquele líder.
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Num vídeo, atribuído à estrela do R&B, R. Kelly, o artista elogia Traoré, que tomou o poder num golpe em 2022: "Por amor ao seu povo, ele arriscou tudo. As balas voam, mas ele não cai. Ele está a lutar pela paz na sua pátria."
Kelly está a cumprir uma pena de 30 anos de prisão nos Estados Unidos por crimes como tráfico sexual de menores, mas a música gerada por inteligência artificial já foi vista mais de dois milhões de vezes desde o seu lançamento em maio.
Em relação ao Papa, um discurso de 36 minutos em inglês, criado com inteligência artificial, foi publicado no YouTube, atribuindo falsamente a Leão XIV palavras para Ibrahim Traoré.
"São campanhas de influência e desinformação que visam estender o culto da personalidade em torno do Capitão Traoré aos vizinhos de língua inglesa do Burkina Faso", disse um investigador norte-americano que falou sob anonimato.
Beyoncé e Justin Bieber estão entre as outras celebridades que tiveram os seus rostos e vozes alterados por inteligência artificial para elogiar Traoré, presidente de transição de Burkina Faso.
Restaurar o controlo
Depois de ter tomado o poder num golpe em setembro de 2022, Traoré prometeu restaurar rapidamente o controlo no Burkina Faso, que tem sido assolado pela violência de jiadistas afiliados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. Três anos depois, os ataques jiadistas continuaram, causando milhares de mortos, e até se intensificaram nos últimos meses.
Vários oficiais acusados de tentar dar um golpe foram presos, e comentários atribuídos ao então chefe do Comando Africano dos EUA, o general Michael Langley, acusando Traoré de usar as reservas de ouro do país para proteção pessoal, geraram revolta e protestos.
Nessa altura, uma série de vídeos a exaltar Traoré começou a circular nas redes sociais.
"A manipulação da informação tornou-se uma alavanca para manter o poder e legitimar a presença da junta", disse um especialista burquinense em comunicação estratégica, que pediu para permanecer anónimo por razões de segurança.
"Exército digital"
Campanhas virais que misturam propaganda e conteúdo gerado por IA foram partilhadas por ativistas e influencers de língua inglesa, principalmente para denunciar Langley e glorificar Traoré.
Enquanto uns aproveitam a onda para o seu próprio ganho financeiro, outros trabalham para a entidade de propaganda cibernética da junta, chamada Batalhões de Intervenção de Comunicação Rápida (BIR-C), disse a fonte burquinense. "Operam realmente como um exército digital", disse a fonte, acrescentando que o grupo é liderado pelo ativista norte-americano Ibrahima Maiga, descartando qualquer "ligação direta com a influência russa estrangeira".
Porém, a narrativa anti-imperialista do grupo, "apresentando o Capitão Traoré como aquele que salvará o Burkina Faso e África do neocolonialismo ocidental, convém à Rússia, disse a fonte.
Ligações russas
O investigador norte-americano observou que "alguns relatos estabeleceram ligações russas no recente aumento destas operações de desinformação", particularmente nas campanhas contra o Gana e a Nigéria. "Desestabilizar o Governo nigeriano teria efeitos regionais significativos", alertou.
O jornalista nigeriano Philip Obaji, especialista em operações de influência russas, concordou, acrescentando que "os meios de comunicação social do Burkina Faso e do Togo aceitaram dinheiro de agentes ligados à Rússia para veicular estas campanhas".
Entretanto, a junta militar do Burkina Faso expulsou a imprensa internacional que trabalhava no país, enquanto os órgãos de comunicação locais se autocensuram com medo de serem presos e enviados para a linha da frente contra os jiadistas, que já é um destino para alguns jornalistas.